quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

E se fosse um Atari

          Na minha infância existia um video game chamado Atari e nele jogávamos em fantásticos cenários monocromáticos. Lembro muito de um destes jogos em específico que consistia em atravessar um sapo de um lado a outro de uma avenida movimentada. Poderia ser apenas uma bela lembrança da infância mas, na realidade, trata-se da triste semelhança deste jogo com a área central de Porto Alegre. Seria até divertido se não fossem os seguintes fatos: as pessoas não tem 3 vidas e ser atropelado quase chegando ao destino não significa apenas voltar a fase anterior.

          Volta e meia me deparo com um daqueles que chamo de "frogs" (em analogia ao antológico jogo). Os frogs são intrépidos pedestres que atravessam a rua em etapas (uma faixa de cada vez) e aproveitam para mostrar sua destreza enquanto se equilibram na estreita faixa branca no meio dos carros em movimento. Ali permanecem bastante seguros de si, aguardando o momento certo de atravessar a faixa seguinte com razoável segurança até se encarapitar novamente na próxima linha. Acredito que na sua cabeça a linha branca funcione como uma espécie de ferrolho: "uma vez estando ali não pode ser pego".

          Nos horários de pico também são muito comuns os "relâmpagos": indivíduos que surgem do nada, correndo na frente dos carros sem jamais olhar para os lados antes de pisar no asfalto. Geralmente sua passagem é seguida por dois tipos de som: um "Ai meu Deus" e um "Desgraçado, vê se olha por onde anda" (ambos sujeitos a variações). Os relâmpagos mais ousados chegam a atropelar os carros que por acaso invadem a sua trajetória. São bem interessantes: se esborracham na lateral de uim carro, fazem uma cara assustada e ainda xingam o motorista.

          Existem muitas formas bastante interessantes e "seguras" de atravessar uma rua movimentada. Como  motorista uma das minhas preferidas é aquela em que o sujeito resolve atravessar bem na curva saindo detrás de um ônibus. A emoção é tão grande quanto os vejo que meu coração até se acelera.

          Outra bastante típica é aquela em diagonal, utilizada para reduzir distâncias num cruzamento. É preciso muita prática para executá-la no tempo perfeito: os 2 segundos entre o fechamento de uma sinaleira e a abertura da outra. Nesta modalidade, em geral eles acabam ziguezagueando entre os carros. Os motoristas tentam seguir em frente ou fazer a curva sem matar ninguém enquanto escutam impropérios irreprodutíveis.

          Para finalizar, de uns meses prá cá, graças a uma propaganda mal feita, houve o surgimento de uma nova espécie nas ruas. Trata-se de pessoas que enfiam a mão espalmada e menos de um segundo depois, olhando para o lado com uma cara feia, iniciam a travessia com o ar triunfante e cheio de razão. Obviamente o fazem longe das faixas de segurança ou embaixo das sinaleiras abertas para os carros, preferencialmente em locais onde uma freada brusca tem grandes chances de causar um acidente.

          Raramente encontro pessoas prudentes e educadas, que param no meio fio, olham para o lado,sinalizam com antecedência com a mão espalmada e aguardam pacientemente o momento de atravessar.  Para estes é com prazer que paro diante da faixa de segurança.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Homens-bomba

          Era uma manhã nublada de sábado quando resolvi acreditar na previsão do tempo. Passei protetor solar, coloquei brincos e óculos de sol combinando com o biquini e fui para a praia, acompanhada apenas do meu kit básico: canga, livro e dinheiro para comer queijo de coalho.
          Subi a duna e foi lá de cima que os vi. Eram uns 10, mais ou menos, mas não contei para ter certeza. Fiquei terrorizada ao enxergar aquelas longas túnicas e barretes, ornamentados por longas barbas escuras. Homens-bomba! Bem ali, embaixo da guarita. Pobre salva-vidas! Seria ele a primeira vítima?
          Ciente que a liberdade de expressão feminina não é benvinda naquela cultura e que a minha presença na praia ainda deserta poderia suscitar algum ato de violência, decidi me afastar. Passei no quiosque mais próximo e entreguei meus pertences a uma senhora que, como eu, olhava amedrontada naquela direção.
          Minha caminhada durou cerca de 90 minutos, não tendo ocorrido neste percurso nenhum evento digno de nota. Ao me reaproximar percebi que ainda estavam ali. A maioria ainda estava vestida da mesma forma, comendo com os olhos cada mulher que passava. Dois deles haviam tirado a túnica e exibiam dorsos de dar inveja ao Tony Ramos.
          Calculei minha rota e segui numa distância que acreditei ser segura. Nesta hora o sol já estava alto e com aquelas roupas eles deviam estar fedendo. Tive sorte, o vento não trouxe nenhum odor desagradável até mim.
          Enquanto a senhora do quiosque pegava as minhas coisas perguntei se algum deles já tinha explodido ou se estariam esperando a praia encher para terem mais vítimas. Ela riu e começou a me contar as pérolas ocorridas durante a minha ausência.
          Procurei um lugar para estender a canga, mas meus olhos insistiam em olhar naquela direção. Não sentia neste momento medo ou curiosidade, apenas uma raiva crescendo lentamente dentro de mim.
          Enquanto ele estavam lá se divertindo e constrangendo os outros veranistas, onde estariam as suas mulheres? Provavelmente enfurnadas num apartamento abafado, com as janelas fechadas e com o corpo coberto dos pés à cabeça, destilando com o calor. Pior é saber que muitas delas se submetem e aceitam esta situação. Nem todas, claro. Algumas lutam para estudar ou para ter liberdade, mas muitas delas acabam sendo mortas pela honra e pelas mãos justamente de quem deveria amá-las e protegê-las.
          Nos últimos 2000 anos todos os povos evoluiram e modificaram costumes e leis. Menos eles. Alguém sabe me dizer o porque?