Na minha infância existia um video game chamado Atari e nele jogávamos em fantásticos cenários monocromáticos. Lembro muito de um destes jogos em específico que consistia em atravessar um sapo de um lado a outro de uma avenida movimentada. Poderia ser apenas uma bela lembrança da infância mas, na realidade, trata-se da triste semelhança deste jogo com a área central de Porto Alegre. Seria até divertido se não fossem os seguintes fatos: as pessoas não tem 3 vidas e ser atropelado quase chegando ao destino não significa apenas voltar a fase anterior.
Volta e meia me deparo com um daqueles que chamo de "frogs" (em analogia ao antológico jogo). Os frogs são intrépidos pedestres que atravessam a rua em etapas (uma faixa de cada vez) e aproveitam para mostrar sua destreza enquanto se equilibram na estreita faixa branca no meio dos carros em movimento. Ali permanecem bastante seguros de si, aguardando o momento certo de atravessar a faixa seguinte com razoável segurança até se encarapitar novamente na próxima linha. Acredito que na sua cabeça a linha branca funcione como uma espécie de ferrolho: "uma vez estando ali não pode ser pego".
Nos horários de pico também são muito comuns os "relâmpagos": indivíduos que surgem do nada, correndo na frente dos carros sem jamais olhar para os lados antes de pisar no asfalto. Geralmente sua passagem é seguida por dois tipos de som: um "Ai meu Deus" e um "Desgraçado, vê se olha por onde anda" (ambos sujeitos a variações). Os relâmpagos mais ousados chegam a atropelar os carros que por acaso invadem a sua trajetória. São bem interessantes: se esborracham na lateral de uim carro, fazem uma cara assustada e ainda xingam o motorista.
Existem muitas formas bastante interessantes e "seguras" de atravessar uma rua movimentada. Como motorista uma das minhas preferidas é aquela em que o sujeito resolve atravessar bem na curva saindo detrás de um ônibus. A emoção é tão grande quanto os vejo que meu coração até se acelera.
Outra bastante típica é aquela em diagonal, utilizada para reduzir distâncias num cruzamento. É preciso muita prática para executá-la no tempo perfeito: os 2 segundos entre o fechamento de uma sinaleira e a abertura da outra. Nesta modalidade, em geral eles acabam ziguezagueando entre os carros. Os motoristas tentam seguir em frente ou fazer a curva sem matar ninguém enquanto escutam impropérios irreprodutíveis.
Para finalizar, de uns meses prá cá, graças a uma propaganda mal feita, houve o surgimento de uma nova espécie nas ruas. Trata-se de pessoas que enfiam a mão espalmada e menos de um segundo depois, olhando para o lado com uma cara feia, iniciam a travessia com o ar triunfante e cheio de razão. Obviamente o fazem longe das faixas de segurança ou embaixo das sinaleiras abertas para os carros, preferencialmente em locais onde uma freada brusca tem grandes chances de causar um acidente.
Raramente encontro pessoas prudentes e educadas, que param no meio fio, olham para o lado,sinalizam com antecedência com a mão espalmada e aguardam pacientemente o momento de atravessar. Para estes é com prazer que paro diante da faixa de segurança.
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Há 14 anos