Naquele dia em especial estava irritada. Não se sabe se por cansaço ou se por efeito da TPM, mas era um fato: Camila só não havia brigado com o namorado porque não tinha um. Foi assim, como uma avalanche em formação, que tocou a campainha do apartamento 403 naquela sexta-feira à noite. No fundo não queria estar ali, mas sabia que ver seus amigos lhe faria bem.
Karen e Marcelo haviam retornado da Europa recentemente e suas fotos da viagem estavam sendo projetadas enquanto o jantar não ficava pronto. Amsterdã. Como sentia falta de lá. Os parques, os bares, as praças... e Werner. Eram dele sem dúvida as melhores lembranças, mas a vida seguiu em frente e ela retornou ao Brasil. Camila sentou-se no sofá e suspirou.
Grande parte das pessoas não percebeu, mas Gustavo viu as lágrimas brotando em seus olhos e tentou interferir. “Castanhas?”. Camila se virou lentamente na direção da voz até seus olhos encontrarem os de Gustavo. Verdes como os de Werner... Mas transmitiam uma energia tão oposta à de seu grande amor. “Não, obrigada.”
Werner era capaz de acalmá-la só com o olhar. Com ele Camila sentia-se protegida e amada. Os olhos de Gustavo não eram assim. De alguma forma a perturbavam. Eram tão cheios de vida, de desejos e de paixão que fizeram Camila imaginá-los como um grande caldeirão borbulhante, pronto para explodir a qualquer momento. Não sabia como lidar com isso e mais do que nunca sentiu falta dos braços de Werner para abraçá-la.
Do outro lado da sala, Gustavo, encostado no marco da porta que dava acesso ao corredor, a observava curioso. Para ele, Camila parecia inatingível. Seus olhos verdes, seu grande trunfo com as mulheres, haviam falhado desta vez. Gustavo era um homem comum: não muito alto, magro, de cabelos escuros já com alguns fios grisalhos apesar da pouca idade. Para seus amigos, o que o diferenciava era seu coração de ouro, sua lealdade e sua alegria de viver.
No sofá, a inquietude crescia dentro do peito de Camila. Seus dedos apertavam uma das almofadas de cetim azul com tanta força que poderiam arrebentá-la a qualquer momento. Pensou em voltar para casa, mas este pensamento foi interrompido pela voz de Marcelo: o jantar estava pronto.
Estavam em 12 pessoas: quatro amigos de infância com seus respectivos pares, o casal anfitrião, ela e “o cara de olhos verdes”. Ela estava certa... Haviam feito de propósito... Mas quem seria ele? De onde teria surgido? Tinha certeza de jamais tê-lo visto nas festas do grupo. Não queria e nem precisava passar por tudo isso.
Revoltada, baixou a cabeça e começou a comer. Vez que outra esboçava um sorriso, na tentativa de participar da conversa. Falavam sobre os filhos. Camila jamais havia pensado em ter um. Talvez naqueles dois anos ela não tivesse pensado mesmo em nada, exceto em reencontrar Werner. De qualquer forma, sabia que se tratava de um amor impossível. Depois da promoção não poderia sequer pensar em sair do país sem ser de férias. E ele nunca demonstrou um pingo de vontade de conhecer o Brasil.
No lado oposto da mesa outro rosto pensativo ignorava a discussão, absorto em questionamentos que somente a ele interessavam. Em que estaria pensando a mulher à sua frente? Misteriosa e atraente, assim a havia classificado. Uma combinação inebriante em sua opinião, tornando impossível mudar a direção do seu olhar.
Por um longo tempo permaneceram assim, como se aquele momento pudesse durar uma eternidade. E então, bruscamente, Camila saiu do transe e levantou. Foi até a porta antes de virar-se para se despedir. Queria ter certeza que ninguém bloquearia seu caminho. Com a bolsa no ombro desceu pelo elevador, deixando escapar um suspiro de alívio assim que a porta se fechou.
Gustavo foi mais rápido. Colocou a carteira no bolso e correu os quatro andares escada abaixo chegando ainda a tempo de vê-la sair pelo portão. Gritou seu nome, mas tudo que obteve em troca foi o baque surdo da porta do carro se fechando e novamente o silêncio da rua deserta. Por alguma razão, Camila não ligou o carro imediatamente. Gustavo hesitou e por alguns instantes permaneceu ali, olhando pelo espaço entre as grades. Vencido pelo desejo, atravessou a rua e foi até o carro estacionado alguns metros à frente.
Pelo retrovisor, Camila viu um vulto se aproximando. Suas lágrimas haviam transformado a rua em um amontoado de borrões luminosos. Assustada, girou as chaves e acelerou, sem enxugar os olhos ou olhar para trás.
Gustavo parou, impotente. Não havia conseguido sequer seu telefone e estava cansado dos encontros forçados por seus amigos. Não queria que fosse assim, mas agora dependeria do destino para encontrá-la novamente.