sábado, 25 de junho de 2011

Numa sexta-feira à noite

Camila chegou na hora exata no local onde haviam combinado. Era um edifício sem muito luxo numa rua tranqüila, onde um pequeno jardim enfeitava o trajeto entre as grades e a porta de entrada. Atravessou o hall e se postou em frente ao grande espelho. "Porque será que meu cabelo está sempre desajeitado?"


Naquele dia em especial estava irritada. Não se sabe se por cansaço ou se por efeito da TPM, mas era um fato: Camila só não havia brigado com o namorado porque não tinha um. Foi assim, como uma avalanche em formação, que tocou a campainha do apartamento 403 naquela sexta-feira à noite. No fundo não queria estar ali, mas sabia que ver seus amigos lhe faria bem.


Karen e Marcelo haviam retornado da Europa recentemente e suas fotos da viagem estavam sendo projetadas enquanto o jantar não ficava pronto. Amsterdã. Como sentia falta de lá. Os parques, os bares, as praças... e Werner. Eram dele sem dúvida as melhores lembranças, mas a vida seguiu em frente e ela retornou ao Brasil. Camila sentou-se no sofá e suspirou.


Grande parte das pessoas não percebeu, mas Gustavo viu as lágrimas brotando em seus olhos e tentou interferir. “Castanhas?”. Camila se virou lentamente na direção da voz até seus olhos encontrarem os de Gustavo. Verdes como os de Werner... Mas transmitiam uma energia tão oposta à de seu grande amor. “Não, obrigada.”


Werner era capaz de acalmá-la só com o olhar. Com ele Camila sentia-se protegida e amada. Os olhos de Gustavo não eram assim. De alguma forma a perturbavam. Eram tão cheios de vida, de desejos e de paixão que fizeram Camila imaginá-los como um grande caldeirão borbulhante, pronto para explodir a qualquer momento. Não sabia como lidar com isso e mais do que nunca sentiu falta dos braços de Werner para abraçá-la.


Do outro lado da sala, Gustavo, encostado no marco da porta que dava acesso ao corredor, a observava curioso. Para ele, Camila parecia inatingível. Seus olhos verdes, seu grande trunfo com as mulheres, haviam falhado desta vez. Gustavo era um homem comum: não muito alto, magro, de cabelos escuros já com alguns fios grisalhos apesar da pouca idade. Para seus amigos, o que o diferenciava era seu coração de ouro, sua lealdade e sua alegria de viver.


No sofá, a inquietude crescia dentro do peito de Camila. Seus dedos apertavam uma das almofadas de cetim azul com tanta força que poderiam arrebentá-la a qualquer momento. Pensou em voltar para casa, mas este pensamento foi interrompido pela voz de Marcelo: o jantar estava pronto.


Estavam em 12 pessoas: quatro amigos de infância com seus respectivos pares, o casal anfitrião, ela e “o cara de olhos verdes”. Ela estava certa... Haviam feito de propósito... Mas quem seria ele? De onde teria surgido? Tinha certeza de jamais tê-lo visto nas festas do grupo. Não queria e nem precisava passar por tudo isso.


Revoltada, baixou a cabeça e começou a comer. Vez que outra esboçava um sorriso, na tentativa de participar da conversa. Falavam sobre os filhos. Camila jamais havia pensado em ter um. Talvez naqueles dois anos ela não tivesse pensado mesmo em nada, exceto em reencontrar Werner. De qualquer forma, sabia que se tratava de um amor impossível. Depois da promoção não poderia sequer pensar em sair do país sem ser de férias. E ele nunca demonstrou um pingo de vontade de conhecer o Brasil.


No lado oposto da mesa outro rosto pensativo ignorava a discussão, absorto em questionamentos que somente a ele interessavam. Em que estaria pensando a mulher à sua frente? Misteriosa e atraente, assim a havia classificado. Uma combinação inebriante em sua opinião, tornando impossível mudar a direção do seu olhar.


Por um longo tempo permaneceram assim, como se aquele momento pudesse durar uma eternidade. E então, bruscamente, Camila saiu do transe e levantou. Foi até a porta antes de virar-se para se despedir. Queria ter certeza que ninguém bloquearia seu caminho. Com a bolsa no ombro desceu pelo elevador, deixando escapar um suspiro de alívio assim que a porta se fechou.


Gustavo foi mais rápido. Colocou a carteira no bolso e correu os quatro andares escada abaixo chegando ainda a tempo de vê-la sair pelo portão. Gritou seu nome, mas tudo que obteve em troca foi o baque surdo da porta do carro se fechando e novamente o silêncio da rua deserta. Por alguma razão, Camila não ligou o carro imediatamente. Gustavo hesitou e por alguns instantes permaneceu ali, olhando pelo espaço entre as grades. Vencido pelo desejo, atravessou a rua e foi até o carro estacionado alguns metros à frente.


Pelo retrovisor, Camila viu um vulto se aproximando. Suas lágrimas haviam transformado a rua em um amontoado de borrões luminosos. Assustada, girou as chaves e acelerou, sem enxugar os olhos ou olhar para trás.


Gustavo parou, impotente. Não havia conseguido sequer seu telefone e estava cansado dos encontros forçados por seus amigos. Não queria que fosse assim, mas agora dependeria do destino para encontrá-la novamente.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Fim do dia... que agonia

Dona Marieta não titubeou ao ver Rosângela esperando um táxi na esquina e foi logo puxando assunto. Amigas há tanto tempo quanto a memória as permitia recordar, nunca perdem a oportunidade de se vangloriar dos feitos dos netos ou falar mal das vizinhas. “Pois é comadre, aquela dona da casa verde trocou de marido de novo...” “Essas menina de hoje não sabe mais segurá marido não...” “E a Edilene, vai ganhar quando?” “Tá de 5 mês, é menina. Jéssica ou Vitória. Ainda não decidiu.”


Se a conversa das duas fluía solta, o mesmo não acontecia com o tráfego por ali. Dois fiscais de trânsito conferiam suas papeletas enquanto as sinaleiras cumpriam seu papel, coordenando o intenso fluxo de veículos naquele cruzamento bem em frente ao hospital municipal.

Em frente ao sinal vermelho uma longa fila já estava formada. Em cada carro rostos cansados do longo dia de trabalho. No primeiro deles, um corsa branco, Ricardo escutava seu CD preferido enquanto contava os minutos para chegar em casa. Quarenta e dois segundos depois o semáforo abriu. Ricardo engatou a primeira e arrancou. Ato reflexo: Donna Marieta, que até dois segundos antes estava com dificuldades para se despedir, vira-se repentinamente e começa a atravessar a rua sem sequer olhar para os lados. Hipnotizada pela seqüencia de faixas brancas e pretas aos seus pés, não foi capaz de perceber o quanto estava próxima do carro já em movimento.


Ágil, Ricardo pisou fundo no freio, mas sua mão, que rapidamente deslizou até a buzina vacilou. Estava na frente do hospital. A dúvida cresceu em milésimos de segundo. Buzinar ali naquele local e levar uma multa como havia acontecido semanas antes com seu amigo? Ou atropelar a velha e viver o resto dos seus dias com a consciência pesada? Não teve tempo de decidir. Virou rapidamente o volante e passou a menos de 20 centímetros dela. Essa havia sido por pouco.


Dez minutos depois Ricardo entrava no elevador rezando para sua esposa não estar com mais um dos seus desejos gestacionais indecifráveis e irrealizáveis quando foi surpreendido pelo seu próprio reflexo no espelho. Definitivamente uma herança paterna não muito agradável... Seus cabelos estavam desaparecendo com a mesma velocidade que seu pai desaparecera de sua vida anos antes. Infarto fulminante. “Foi stress. – Disse o médico na época.” Era preciso dar um fim nisso tudo.


Entrou em casa. Silêncio. Ótimo. Nem sequer tirou a chave da porta. Pegou papel e caneta, deixou um recado para Mariana e correu para o estádio ainda de terno. Então ele gritou e gritou e gritou... Como se aquele fosse seu time do coração. Noventa minutos depois, com o corpo suado, a roupa amassada e 10kg a menos na cabeça voltou para casa. Neste momento a calvície não importava e dona Marieta sequer existia... Mas de um coisa ele tinha certeza: poderia finalmente ter uma boa noite de sono.