segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sem título no momento

          Relutei em admitir o quanto estava envolvida, mas a cada nova descoberta meu coração soluçava. Carlos era a companhia ideal para todos os momentos. Sempre animado, tornava qualquer festa agradável e qualquer conversa com ele me fazia perder o senso do tempo. Estava encantada, sempre havia sonhado com alguém assim. Carlos seria exatamente quem eu sempre procurara, mas era casado.
          No dia em que descobri fiquei arrasada. Jamais desconfiaria que por trás daqueles olhos que pareciam me desejar, havia um quase pai de família. Após o dia em que a esposa de Carlos apareceu na empresa grávida de 8 meses, começei a recusar os constantes convites para cinema, barzinho e jantares a dois.
          Dividida entre meu sentimento e a realidade, passei noites em claro e dias desesperadores. Era impossível não vê-lo em cada esquina, no caminho para o café, no refeitório, no supermercado. De repente ele virara onipresente e sua presença me sufocava. Eu precisava achar uma forma de sair desta tempestade de areia em potencial, mas me parecia tarde demais. Eu não sabia o que fazer, nem por onde começar.
          Se as gurias não tivessem insistido eu jamais teria saído de casa naquele dia. Foram 11 telefonemas, 15 mensagens no celular e duas delas a passar na minha casa e me obrigarem a tomar banho e trocar de roupa. Foi neste dia que conheci o Marcelo.
          Já nem lembro do último homem que me beijou assim com tanta paixão como ele fez naquela noite. Eu podia sentir seu sangue correndo nas veias e o ritmo acelerrado de um coração que parecia grande demais dentro do peito. Sentia seu perfume que me inebriava. Sentia suas mãos deslizando sobre minhas costas e me desliguei do mundo ao nosso redor.
          Nossos olhares haviam se cruzado pouco tempo antes, quando cheguei àquela festa. A banda tocava para uma pista de dança lotada, mas inexplicavelmente fiquei paralisada. Desejei que aquela cena durasse para sempre: ele, recostado no balcão, perfeito em todos os detalhes e olhos que me fitavam. Correspondi àquele olhar e ele se aproximou. Observei seus passos. Eu o desejava desde o primeiro momento que o vi e ele parecia captar e compartilhar meus pensamentos. E então nossos lábios se tocaram e pude sentir a energia fluindo através dos nossos cormpo. Não tive forças para resistir e me entreguei. Desde este momento tudo pareceu fazer sentido: minha vida e meus sonhos enfim se fundiram na realidade mais bela que poderia haver.

TPM

          Percebo que estou na TPM quando saio de casa após 8 horas de um sono plenamente restaurador, vou ao shopping trocar uma blusa que ganhei de Natal e enquanto a vendedora tenta me convencer a levar uma roupa "super na moda" que me faz parecer uma mistura de gnomo com liquinho me dá uma vontade de dizer: "Olha, só porque tu és gorda e achas o máximo esconder teu corpo embaixo dessas coisas, não precisas achar que todo mundo também é assim. Graças a muita ginástica esse não é o meu caso e apesar de ser pelo menos 10 anos mais velha que tu ainda posso usar biquini e shortinho".
          Diante deste sintoma incontestável de TPM, me esforço para manter a calma e antes mesmo de encontrar algo que me interessasse, saio da loja e vou direto para a praça de alimentação. Ao menos desta vez não existirá a dúvida: "chocolate ou sorvete" já que devem estar pelo menos 27 graus, a julgar pelo vestido já grudado na pele suada. Se aqui dentro está assim, imagina lá fora? O ar está quebrado ou estou na menopausa? Socorro.... vou derreter! Ô desgraça ficar em Porto Alegre no verão.
          Aproveito a espera pela comida e dou uma olhada na lateral da sacola. Existe uma luz no fim do túnel: eles têm uma filial. Seria perfeito se eu não tivesse que atravessar toda a cidade. Olho no relógio e faço os cálculos, pensando o que tenho que fazer. Será que dá tempo de fazer tudo e ainda chegar a tempo para a academia? Não, impossível. Terei que abrir mão de alguma coisa. Do trânsito não dá, da academia eu me recuso. Ainda tenho que comprar um vestido pro ano novo. Haja dinheiro; já não bastasse IPVA, IPTU, anuidade do conselho, ainda tenho que comprar um vestido...
          Resolvo sair do shopping e entro no meu carro. É só ligar o ar condicionado no máximo que meu humor começa a melhorar. Ligo o rádio e ao som de Black Eyed Peas começo a manobrar. A tranquilidade dura pouco. Na saída do estacionamento uma pajero me fecha e quase bate. Idiotas, compram carro grande e se acham os donos da rua.
          Começo a sentir umas discretas pontadas na cabeça. Hmm, problema! Repasso com calma todo o meu dia e me certifico de haver tomado a dose adequada de cafeína. Sim, tudo certo... ou não. Se não é abstinência é enxaqueca mesmo... a dor logo vai piorar. Cadê o remédio? Remexo na bolsa com a mão direita à procura da cartela enquanto dirijo com a esquerda e escuto no rádio a porcentagem dos vôos atrasados. Tem gente pior que eu, ao menos não fui privada da minha liberdade de ir e vir. Nem quero imaginar o que seria de mim dentro de uma sala de embarque por mais de 12 horas sem ter o que fazer. Encontro um comprimido de novalgina e engulo com água quente mesmo. Uma sobra que deve estar aqui há dias.
          Terceira perimetral, uma sinaleira a cada 200 metros. No rádio o assunto agora é outro. Falam do lindo dia de sol, da praia cheia, da cidade vazia. E o locutor ainda acrescenta: "Tá todo mundo de férias nesta semana". Todo mundo menos eu, a vendedora gorda e chata da loja e o cara da pajero! A idéia da praia lotada e a lembrança que meus pais também estão lá me irrita e decido que é melhor trocar de estação.
Pagode, outro pagode, rádio evangélica e isso o que é? Nossa, que música estranha! Enfim desligo o rádio e começo a cantarolar umas músicas do Jovanotti. Somente os pedaços que sei de cor, óbvio, porque esqueci de devolver o CD pro carro.
          Ótimo! Ao menos a academia não está lotada, mas seria muito melhor se tivesse hidromassagem ao invés de natação. Coloco o maiô, tomo uma ducha gelada e entro na piscina. Enquanto nado, tento desesperadamente escolher a cor do vestido. Rosa ou branco? Porque será que nos outros 28 dias do mês consigo nadar sem pensar em nada e hoje isso me parece impossível?
          Volto prá casa à noite com a impressão de que não dormi nada e me jogo em frente à televisão, nem tenho vontade de passar os canais porque já sei que não terá nada interessante neste horário. Ao menos tenho uma certeza.... amanhã é outro dia e com certeza não será como este... graças a Deus, isso só dura 24 horas.....

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fim dos tempos

Hoje tive certeza de que o fim do mundo se aproxima.
Existem coisas que, por definição, não podem ocorrer sem que haja em seguida um cataclisma mundial.

A vivo (conheces?) bloqueou meu celular porque não paguei a fatura que eles esqueceram de me mandar.... Bem legal isso na véspera do natal (ainda se eu fosse testemunha de jeová... mas não, faço parte da imensa maioria da população que adora aproveitar datas ditas religiosas para encher o saco de todo mundo com mensagens desejando sempre a mesma coisa)

Daí recebi aquela mensagem automática insuportável dizendo que não o meu pagamento não consta no sistema e mandando que eu entrasse em contato com aquilo que considero o sistema de tortura ideal, pois a empresa se aproveita da necessidade de outrem para mostrar sua força maligna: o insuportável *8486.

Respirei fundo, passei um café, tomei um prozac, fiz um alongamento básico e liguei, já super feliz por ter a oportunidade de escutar aquela voz fanha proferindo o discurso enfadonho que começa por: "Benvindo a central de atendimento...." OPA....

Foi ai que veio o sinal do apocalipse!

A voz insossa e computadorizada informou que existiria um tal de atendimento via SMS e que todos os meus desejos seriam realizados se eu mandasse uma mensagem de texto para o *1058.

Uau! Eu pensei!

heheheh.... Certo que isso não vai funcionar!

Mas qualquer coisa é melhor do que ficar escutando esses intermináveis menus... e a voz continuava...

disque 1 para x, disque 2 para y

Nada disso... chega... até porque a gente vai digitando esses números e no final sempre tem que esperar 20 minutos até conseguir falar com um dos atendentes, que obviamente se aproveitam do tempo que perdemos escutando menus e escolhendo numeros para tomar café...

Depois ninguém sabe porque a tia do cafezinho é sempre a funcionária homenageada.

Sabe o que?

Vou desligar e mandar esse SMS. Quero só ver o que acontece... hihihii

Afinal, só quero mesmo o código de barras prá por a conta em dia e poder mandar as mensagens de natal.

Mandei, logo em seguida recebi uma resposta.

Oi, meu nome é Ronei e sou um representante vivo, aguarde um momento, por favor, enquanto verifico sua solicitação.

hahahah.... eu disse... ele disse "por favor", é certo que a espera vai longe.

Começei a ler um site e... bip, bip... mensagem

Ué... já? Deve ser a droga do numero do protocolo de atendimento.

Vou olhar...

Nãããããããããããããããooooo

Não posso acreditar no que estou vendo!!!!

O código de barras!

Inacreditável!

Corri na janela, o mundo devia estar desabando... um tsunami se aproximando... um terremoto, sei lá... uma queda na bolsa de valores... não era possível!

Minha resposta assim de forma ágil, vindo de uma companhia telefônica???

Eu devo estar sonhando.

Até que enfim alguém resolveu criar uma forma de comunicação que funciona!

É realmente o fim dos tempos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Vida de estátua

          A vida segue adiente, mas dela sou mera expectadora. Dotada de olhos e ouvidos, mas presa num pedestal de cimento de onde não posso sair. Vejo carros passando, crianças crescendo, famílias se formando enquanto continuo aqui no meio deste jardim. Um gramado num cruzamento de duas ruas movimentadas onde ninguém tem tempo de notar minha existência. As únicas mudanças que sofro são aquelas inevitáveis: pelo tempo, pela chuva e pelos vândalos que aqui se divertem nas noites livres. Sonho com o dia em que sairei do anonimato, o dia em que ao invés de garrafas e seringas verei ao meu redor crianças com balões coloridos, carrinhos de pipoca e apreciadores da arte. Só espero que este dia não demore tanto, porque em breve estarei tão depredada que ninguém mais saberá quem sou.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sociedade do medo

Há meses não vejo meu orkut. O motivo? Quando abro minha página descubro que não existem novidades. Com meus amigos verdadeiros a comunicação é mais rápida pelos meios tradicionais. E aqueles que um dia conheci e que hoje seu perfil no orkut é minha única lembrança seguem sua vida normalmente. O orkut perdeu a graça porque não sou adepta da fofoca on line. Não perco horas do meu dia procurando ativamente fotos indecentes, comentários ambíguos ou xurumelas desesperadas.


Apesar disso, outro dia aproveitei o ócio do domingo para passear pelas minhas comunidades. Me fixei na palavra medo após encontrar um link para “Eu tenho medo do escuro” numa comunidade entitulada “Odeio verão”. (Não me perguntem a relação entre elas.). Dei risada daqueles rostos sorridentes que assumiam perante o mundo o medo do escuro. Que outros medos públicos existiriem? Incontáveis. Medo de elevador, de animais diversos, de avião, de mar, de altura, de uma professora da escola, de que o mundo acabe.

Percebi a falta de um medo. Porém o temor a ele talvez seja ainda maior que a todas estas outras coisas. Uma espécie de medo-tabu – um medo tão grande que faz com que todos evitem até mesmo falar nele. Trata-se de um medo coletivo a uma sociedade secreta composta de membros anônimos, porém onipresentes: a sociedade dos outros.

Eles estão sempre à espreita, buscando qualquer dado que possa denegrir ou prestigiar alguém. E logo após agem prontamente, divulgando a informação obviamente já deturpada pela rigorosa comissão de ética da organização.

É praticamente impossível fugir deste julgamento e porisso as pessoas se submentem. Não sabem onde estão nem quem são, mas os temem. Tem medo do que possam falar e porisso condicionam sua vida de modo a nunca chamar sua atenção. Muitos os consultam antes de tomar decisões cruciais e naturalmente acabam nem sempre tomando o rumo com o qual sonharam.

O império do medo tem proporções assustadoras. É preciso força e coragem para enfrentá-los, mas garanto que vale a pena.Eles controlam nossas vidas. Eles tem poder sobre nossa mente. Tanta audácia não poderia passar impune... mas passa.

Eu mesma me encontro num dilema. Há dias escrevi este texto mas ainda não decidi se o publico ou não. Afinal, sou humana, sinto medo e pensando bem... “o que os outros vão dizer?”

domingo, 4 de julho de 2010

Sobre quanto divertida pode se tornar uma viagem de avião

Cenas reais....

CENA 1
          Ao entrar no avião me deparei com uma senhora que lutava contra as leis da física enquanto tentava colocar uma mala gigantesca no compartimento acima da sua poltrona. Empurrava, socava, virava a mala e empurrava novamente. Imediatamente lembrei de um antigo professor (melhor não citar nomes) que dizia que hipertensão é o conteúdo maior que o continente. Baseada nesta teoria formulei o seguinte questionamento: caso ela fosse feliz em sua empreitada o resultado seria uma síndrome compartimental?

CENA 2
          "Brigada meu amor" foi o agradecimento a boa vontade da aeromoça ao explicar à passageira como encontrar sua poltrona no avião. Como se houvessem vários corredores diferentes onde os passageiros pudessem se perder.
          Discretamente olhei para trás entre o vão das poltronas (o fato de estar sentada na janela me permitiu algumas vantagens nesta hora) e avistei exatamente o que tinha imaginado ao escutar a voz e o sotaque: uma senhora baixinha e gorda (leia-se gorda!) com uma bolsa na mão que pelo seu volume deveria ter sido despachada.
          Havia entrado pela porta traseira da aeronave. Claro que não podia ser diferente. Sua poltrona era a 7C e ela precisaria cruzar (carregando a bolsa e no contra-fluxo) todo o corredor lotado. A aeromoça bem que sugeriu que ela descesse as escadas e embarcasse pela porta da frente, mas ela refutou esta possibilidade. Afinal, subir as escadas é exercício demais para aquele corpo.
          Nem preciso dizer: lá se foi ela, agradecida, se apoiando nos bancos e se equilibrando entre o povo até seu lugar. Será que foi porisso que o vôo atrasou? Vai que ela se perdeu no meio do caminho e saiu pela asa!

CENA 3
          Nem bem o avião decola e uma nova personagem surge para a minha diversão. Enquanto o avião sobe todos permanecem sentados com os cintos de segurança afivelados até soar o aviso. Bem, nem todos. Até porque se fosse assim meu diário de bordo não teria saido da primeira página onde lia-se: "Viagem à Chapada Diamantina - jun'10".
          As aeromoças conversavam animadamente no fundo do avião enquanto eu tentava preencher as palavras cruzadas com o livro sobre as pernas durante um período de turbulência. Exatamente neste ínterim surgiu uma jovem senhora caminhando pelo corredor em busca do banheiro. A aeromoça (provavelmente a mesma que auxiliou a senhora da história anterior) orientou que sentasse, mas ela parecia não compreender. Afinal, não queria sentar e sim ir ao banheiro.
          Existe realmente algum fascínio nos banheiros de avião. Incompreensível para alguns, como eu, mas aparentemente trata-se de uma paixão popular comparável ao futebol ou ao carnaval. Basta soar a liberação para que inicie a fila. Uma fila constante que só se reduz na hora do lanche e no momento do pouso. Um após o outro, grande parte dos passageiros faz sua peregrinação até lá. Alguns chegam a repetì-la duas ou três vezes.
          Não perdi meu tempo contando quantas vezes esta senhora percorreu o trajeto poltrona-banheiro, mas uma coisa eu garanto: ela foi a primeira a usá-lo.

CENA 4
          A diversão costuma durar pouco, mas pelo menos de vez em quando temos direito a um bis. O avião pousou em Salvador e todos se levantaram e invadiram o corredor. Ainda não entendi esse costume, já que sempre demora um tempão para a porta ser aberta. De qualquer forma levantar não serviria para nada, já que eu estava na fileira de número 29.
          Tudo estava tranquilo até uma voz feminina gritar lá da frente olhando para os fundos do avião: "Tem alguém aí atrás?" Claro que não vi quem foi, mas dentro de mim algo diz que deve ter sido a mesma senhora, aquela da poltrona 7C.
         

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Para refletir

Conheci uma menina enquanto esperava uma aula sentada no banco de uma praça em Porto Alegre. Para preservar sua imagem a chamarei Érica. Sentei ali com dois livros e um caderno, decidida a ler durante a longa hora de espera que teria que enfrentar. Não li mais do que meia página, porque ela puxou conversa.


Érica tem 15 anos, tem uma boa aparência e estava vestida adequadamente. Não sei ainda se por necessidade ou simpatia, mas quando ela começou a falar nada a deteve e, em cerca de meia hora, me contou sobre sua vida, algumas vezes com detalhes e outras com uma tristeza nitidamente implícita em seu olhar.

Começou contando da escola. Matriculada na sétima série embora comparecesse muito pouco às aulas. Desistiu de estudar porque é muito difícil. Iniciou assim, mas pouco depois resolveu contar a verdade. Não vai mais à escola porque o namorado não quer que ela vá. Devo ter feito uma cara estranha, porque ela foi logo explicando. “Meu namorado tem 20 anos e também está na sétima série, mas não gosta de estudar. Eu moro com ele, então dependo dele prá me levar prá escola. Ele me leva de vez em quando porque se eu não for minha mãe perde o bolsa-família e daí ela vai me xingar.” Érica também não pode ir de ônibus porque não tem dinheiro. Não pode trabalhar porque tem 15 anos e o namorado não dá nenhum centavo porque não quer que ela vá à escola sem ele. A mãe, pelo que entendi, só se faz presente no dia de receber os trocados do bolsa-família.

Depois trocou de assunto. Seu pai havia sugerido que ela começasse a trabalhar num supermercado quando fizesse 16 anos, que isso abriria outras portas para ela, mas ela não sabia ao certo que era isso o que queria e perguntou minha opinião. Obviamente estimulei essa idéia e ainda complementei dizendo que com o salário ela poderia pagar os estudos ou ao menos a passegem de ônibus até o colégio. Estimulei que continuasse a estudar até terminar o segundo grau e ela agradeceu o conselho e disse que tentaria voltar a estudar. Não sou inocente a ponto de achar que a convenci realmente, mas acredito que esta conversa curta sirva de referência para alguma reflexão.

Érica não me explicou porque segue morando com o namorado, mas disse que brigam muito. Talvez não saia por amor. Talvez porque ela tenha saído da casa da mãe por viver numa situação ainda pior. Então segue dia após dia assim, sem rumo, sem vontade própria e sem visualizar o futuro. Chegou a me relatar que gostaria mesmo era de voltar a ser criança, mas não teve tempo de explicar os motivos porque seu namorado chegou gritando e a arrastou (literalmente) para o carro. Mesmo assim teve a capacidade de se virar para mim e se despedir, me desejando uma boa semana.

Enquando via o carro se afastar começei a pensar nas incoerências do mundo. A mãe de uma adolescente ganha o bolsa-família para que a filha possa estudar. Recebe o benefício, mas não ajuda a filha, que nem sequer mora com ela. A menina mora com o namorado, tem vida de casada e obrigações de adulto, mas não pode trabalhar porque tem 15 anos e seria considerado trabalho infantil. Mas que infância é essa?

E sobre o trabalho “infantil” na adolescência: Criam-se hordas de jovens preguiçosos e irresponsáveis que não estudam porque sabem que não podem ser reprovados e porque não tem nenhum interesse senão em vadiar. Aos 16 anos já não querem trabalhar, porque trabalhar exige algo que elas não conhecem: disciplina. Até essa idade eles têm apenas direitos. Direitos, direitos e direitos. Nenhum dever. E jamais tente dizer a uma criança ou adolescente que deve isso ou aquilo: é contra a lei. E, de uma hora para a outra, já adultos (sim, adultos, porque a vida os rouba a infância bem cedo) querem que mudem? Que entendam que existem deveres, leis e hierarquias que devem ser obedecidos?

sábado, 29 de maio de 2010

A Decisão (Parte 6/6)

          Marcele passou os olhos rapidamente pelo painel do carro novo da amiga e sentiu um líquido amargo percorrendo o trajeto até sua boca. Nunca havia pensado como ela fazia para comprar tantas coisas caras com o salário de secretária da empresa. Tinha algo estranho em tudo isso: o carro, a roupa provocante, olugar onde iam. E quem seria esse amigo misterioso?
          Fez algumas perguntas mas obteve apenas respostas vagas. Em resumo, tratava-se de alguém que Flávia havia conhecido na semana anterior e que não lembrava do nome porque havia sido apresentada a muitas pesoas naquela festa. Era amigo de um amigo dela. Um que Marcele não conhecia. Estava começando a desanimar, mas a amiga insistia que era um bom partido.
          Pararam numa esquina movimentada e Marcele olhou para o barzinho onde costumava ir com as suas outras amigas. O lugar estava animado e instintivamente começou a procurar por elas. Tinha tantas boas recordações daquele lugar. Virou-se para Flávia e perguntou o preço do ingresso da festa onde iam, mas ela não sabia. Há alguns anos não pagava, tinha ingressos VIP sempre que queria.
          Marcele pela primeira vez ficou aturdida com a resposta. Algo não se encaixava nesta história. Luxo e festas gratuitas. Algo estava errado. Marcele não sabia o que era, mas desconfiou que seria melhor continuar sem saber. "Seja lá o que for, não sei se quero participar". - raciocinou. Voltou-se novamente para a miga e pediu que encostasse o carro.
          Desceu ali mesmo, sob o olhar descrente de Flávia, numa rua não muito movimentada. Atravessou a rua pensando onde poderia pegar um táxi. Escutou a voz de Flávia questionando se ela tinha certeza do que estava fazendo, mas nem se deu ao trabalho de resonder. Estava com o celular na mão, tentando falar com suas verdadeiras amigas. Precisava encontrá-las para pedir desculpas pelo que tinha feito e por não ter ouvido seus conselhos. Ninguém atendeu. Pegou um táxi e foi direto ao Dona Xica, ponto de encontro quase obrigatório da turma do trabalho, mas elas não estavam lá.
          Estava já indo embora quando escutou seu nome. Não reconheceu a voz, mas começou instintivamente a procurar alguém conhecido. Não foi difícil. algumas pessoas acenaram de uma mesa no centro do bar. Foi até lá agradecendo internamente por não er que retornar tão cedo para casa, mas pensou duas vezes antes de sentar quando viu que seu colega bobo da corte apaixonado fazia parte do grupo. "Só uma cervejinha e vou embora."
          Depois de várais cervejas a conversa seguia animada. Marcele nem percebeu o passar das horas. Fábio, radiante com a oportunidade, ofereceu carona e Marcele aceitou. Entrou no gol do colega e balançou a cabeça. Precisava admitir: ele não seria jamais o homem com quem sonhara desde criança, mas há anos não se sentia tão bem na companhia de alguém.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Surto de Romantismo

E sem aviso prévio ou sinais premonitórios ele foi acometido por um surto de romantismo. Tornou-se irreconhecível aos olhos de sua amada. Ele, que antes era uma pessoa tão fria, tornou-se puro sentimento. Ela estranhou seu comportamento, questionou suas intenções e a veracidade desta transformação. Queria muito acreditar nas belas mensagens recebidas, mas estava ciente que poderiam tranquilamente tratar-se de mais um truque bem estudado para convencê-la a dar-lhe uma segunda chance. Ele por sua vez, desdobrava-se para encontrar as palavras que pudessem exprimir seus sentimentos e que fossem fortes o suficiente para afastar a imagem negativa que havia criado para si mesmo. Estava arrependido das suas atitudes incorretas e do seu comportamento inadequado. Algo naquela última vez que a vira o fez perceber o quanto a amava, o quanto a respeitava. queria colocar uma pedra sobre um passado que agora o envergonhava. Sabia o quão difícil seria esta tarefa, sabia que talvez todos os seus esforços fossem em vão, mas sabia também e principalmente o quanto queria realizá-la.

Ainda um insight de normalidade (parte 5/6)

          Marcele chegou ao prédio onde morava, pegou a correspondência com o porteiro esubiu. Ainda no elevador começou a abrir os envelopoes. Entre as diversas propagandas e malas diretas estavam as contas do mês e a fatura do cartão. Quase deixou cair todos os seus pertences ao perceber que estava novamente negativa no banco. Não sabia mais de onde tirar dinheiro.
          Produtos caros para uso pessoal se misturavam às roupas de grife compradas com um cartão eternamente mantido no limite. apesar do ótimo salário Marcele começou a se endividar. Segundo ela aconteceu porque não ganhava o suficiente, porém com o mesmo salário suas colegasfaziam milagres. Duas já tinham comprado um imóvel e a outra viajava anualmente. Ao invés de usá-las como exemplo, Marcele as criticava por suas fraquezas, suas decisões erradas esuas vidinhas medíocres.
          Mas naquele dia ela precisava esquecer tudo isso e focalizar seu problema. Que acontecimentos a teriam levado a esse ponto? Não conseguia lembrar onde teria gasto tanto dinheiro. Como descobrir? Não teve tempo suficiente para formular muitas hipóteses porque seu celular começou a vibrar dentro da bolsa. Nova mensagem: "Festa hoje. Te pego às 22h. quero te apresentar uma pessoa." Olhou as contas sobre a mesa. Não sabia por onde começar. Talvez espairecendo um pouco conseguisse pensar em alguma solução. Resolveu ir à festa e adiar o problema. Olhou rapidamente o relógio e calculou que ainda daria tempo para a manicure e a chapinha.
          Correu para o salão agradecendo por ter encontrado um apartamento tão perto de tudo o que precisava, mas lá dentro não conseguiu relaxar como de costume. Sua cabeça insistia em voltar a pensar nas contas por mais que tentasse evitar essa lembrança. Lembrou também do compromisso que havia marcado com a mãe no dia seguinte e chegou à conclusão que não conseguiria acordar a tempo. Chegou a ligar para cancelar o almoço mas não teve coragem. Chegaria mais tarde se precisasse, mas se sentiria mal se não comparecesse.
          Um pouco depois das 22h um Audi prata parou na frente do prédio de Marcele e buzinou. Ela estranhou, mas o vidro foi abaixado e ela pode ver a amiga no banco do motorista. Desceu correndo com as sandálias na mão, o vestido preto que mais gostava e acessórios prata. Estava realmente linda ao entrar naquele carro.
          "Carro novo?" - perguntou à Flávia.
          "Sim. Lindo, né? Ganhei do Paulo, esse cara com quem estou saindo."
          Uma estranha sensação percorreu o corpo de Marcele.

Saindo do controle - Parte 4/6

          Foi no primeiro emprego que Marcele conheceu Fábio. Todos gostavam dele. Simpático, prestativo, trabalhador e, sem dúvida, apaixonado. Apaixonado por Marcele como nunca havia sido por ninguém. A única a não percebr era exatamente o objeto do seu desejo, que seguia poderosa entre os balcões do laboratório, muitas vezes sem nem mesmo olhar para os lados.
          Fábio sofria calado. Não tinha coragem de se aproximar dela. As coisas pioraram ainda mais quando Marcele começou a sair com a Flávia, uma secretária belíssima cujo padrão de vida não correspondia ao salário que recebia. Foi Fábio quem as viu entrando numa danceteria chique após furarem uma longa fila. No dia seguinte contou às colegas o que vira e pediu que falassem com sua amada. Flávia não inspirava confiança. Presença constante nas festa da alta sociedade e sempre acompanhada de amigos ricos, não gozava de boa fama dentro da empresa. Todos questionavam a origem do dinheiro que sustentava tais festas e outros luxos.
          As amigas bem que tentaram, mas a teimosia de Marcele falou mais alto. Teimosia ou ganância? Talvez nem ela soubesse neste momento qual era sua maior motivação. Acusou-as de invejosas. Sim. Tinahm inveja de verem as portas se abrindo para outra que não elas. Inveja dos presentes caros que havia ganho de um amigo da Flávia no seu aniversário. Inveja de não serem elas a furar filas e entrar de graça nas festas mais badaladas da cidade.
          Preocupadas com o futuro da amiga decidiram continuar do seu lado e tentar aos poucos afastá-la desta má influência. Escutaram caladas às longas e contínuas narrativas das festas do fim de semana; Pouco a pouco tornou-se evidente que para ser escolhido o homem deveria ser alto, malhado e rico. Todas se olhavam e balançavam a cabeça. Nada poderia ser mais fútil.
          Um dia Cristina aproveitou uma deixa para pedir um ingresso para uma destas danceterias famosas que ela tinha tanta vontade de conhecer. Haviam sido colegas no colégio e se reencontraram na empresa. Cristina era o oposto de Marcele. Baixa, com muitos quilos em excesso e um rosto comum, se destacava por uma personalidade forte e uma auto-estima inabalável. Uma combinação pitoresca que parecia agradar a gregos e troianos, pois ao contrário da bela Marcele, estava sempre rodeada de homens.
          Marcele nunca falava, mas achava a amiga vulgar e seus pretendentes um bando de fracassados de péssimo nível. Mas ela era uma amiga de verdade e isso deveria ser suficiente. Naquele dia no entanto, Marcele não conseguiu segurar sua língua e acabou magoando a amiga. Olhou-a de cima a baixo antes de dizer que pobre não entrava e pronto.
          Constrangida pela humiliação, Cristina virou as costas e se afastou. Assim como ela todos os outros se afastaram. Cada um tinha um motivo para evitar a companhia de Marcele, mas ela achava que a razão estava do lado dela.

sábado, 15 de maio de 2010

Minha gata é chocólatra

Como diria Alice: "Gatos sorriem e podem desaparecer". Mas eu acrescentaria: Gatos podem ser chocólatras! Descobri recentemente qe minha gata realmente ama chocolate. E podem crer que não é desejo de grávida, já que ela é castrada. Ela simplesmente deve ter herdado sabe-se lá como minha atração incomensurável por esta substância deliciosa. É impossível descrever com perfeição a cena, mas tentarei.

Coloquei uma fatia de torta de bolachanum prato. Daquelas feitas com um creme de chocolate entre as camadas de bolacha maria. Um doce simples, mas maravilhoso. Voltando ao assunto,me servi e, imediatamente, fui abordada pela gata. Ela andava ao meu redor miando ininterruptamente e escalando minha calça jeans com suas unhas fininhas e afiadas. Imaginei que ela estivesse com fome e fui repor a ração no pote. Me enganei, o pote estava cheio. Voltei para a mesa, com a gata sempre aos meus pés, miando. Desta vez ela subiu na mesa e me olhou suplicante e se lambendo. Terminei de comer e coloquei o prato na mesa. Na mesma hora ela foi até lá e começou a lamber o prato até não sobrar nada.

Esperando

          Incontáveis foram os dias em que permaneci naquele banco à sua espera. Geralmente chegava ali cansada e olhava ansiosa naquela direção buscando um espaço livre, mas dificilmente o encontrava. Após um longo tempo de espera eu conseguia sentar. Sentar e relaxar. Descansar. Espairecer. Observar o ir e vir das pessoas, como se vestiam, o que carregavam. Observar o trânsito sempre caótico.
          Vi executivos falando em seus celulares, adolescentes que trocavam confidências sem desconfiar que alguém as escutava, crianças que entravam correndo no carro dos pais com suas mochilas, namorados brigando, casias se conhecendo. Sentada naquele banco de madeira semi-destruído tive a oportunidade de presenciar cenas de todo tipo, das inesquecíveis às corriqueiras. Estava lá quando uma aliança de noivado foi parar no meio da rua após uma discussão do casal. Também vi de perto os sanduíches de mortadela vendidos por uma senhora em uma grande caixa de plástico serem vendidos com uma rapidez impressionante. Observava divertida as pessoas que tentavam atravessar a rua no meio do movimento de carros, fazendo sinais e correndo para escaparem ilesas dos motoristas desatentos.
          Inúmeras vezes ri sozinha do que acontecia ao meu redor. Provavelmente fui taxada de doida por centenas de pessoas devido a essa atitude. Perdi as contas dos livros que li enquanto esperava. Com quantas pessoas conversei naquele local? Centenas... centenas de histórias diferentes contadas por seus protagonistas de forma espontânea.
          Existem coisas que somente o tranporte público pode nos proporcionar, mas bem que aquela linha de ônibus poderia passar com mais frequência...

terça-feira, 4 de maio de 2010

Ervas Daninhas Não Precisam de Adubo (parte 3/6)

          Depois do impacto dos primeiros meses, Marcele já estava adaptada e colhia os frutos do seu trabalho. Já conseguia pagar algumas festas ou roupas além dos estudos e isso a deixava feliz.

          Seu esforço foi recompensado com uma vaga no curso de farmácia de uma faculdade privada e uma bolsa permitiu que ela realmente conseguisse cursar. Foram anos muito diferentes dos anteriores.

          Rodeada por pessoas simples e tendo necessidade de usar roupas mais surradas nos dias de aula de laboratório, Marcele lentamente começou a mudar sua visão da vida e do mundo. Passou a valorizar as pessoas pelo que realmente eram e não pelo valor da etiqueta da roupa que vestiam. Fez amizades verdadeiras e pela primeira vez teve com quem dividir seus sentimentos, com quem dar risada sentada num boteco. Conseguiu finalmente permitir que conhecessem sua casa e, para sua surpresa, descobriu que ninguém deixou de falar com ela porque morava num prédio simples.

          Apesar disso, alguns sonhos permaneciam dentro dela. Adormecidos, mas ainda vivos. Temporariamente arquivados nas profundezas do seu cérebro.

          Conhecer Luis foi a gota que faltava para aquela semente voltasse a crescer. Como uma erva daninha, foi progressivamente tomando conta do seu corpo, sufocando os valores que havia aprendido. Marcele não sabia explicar o motivo pelo qual se apaixonara por aquele jovem feio, franzino e de cabelos desgrenhados e sebosos. "Gosto do jeito dele." - disse às amigas, que a fixaram com um olhar descrente. Impossivel! Ele só a tratava mal. "Mas eu gosto da voz dele!" É... devia mesmo ser amor, pensavam todas.

          Marcele não admitia, mas por trás de toda essa aparência esquisita e do jeito grosseiro quando se dirigia a ela, havia um Audi. Ela não precisava ser muito inteligente para concluir que deveria existir também uma gorda conta bancária. Perto dele Marcele se derretia, fazia questão de demonstrar afeto. Em troca só recebia grosserias e indiferença, mas continuava tentando.

          Um dia ela resolveu se declarar a ele. Pensou nas melhores palavras a serem ditas, no local ideal para fazê-lo e em como fazer para que seu plano desse certo. Embora tenha sido desaconselhada por todas as suas amigas, resolveu colocá-lo em ação.

          Ninguém nunca soube ao certo o que aconteceu naquela noite, mas Marcele chegou em casa chorando e faltou às aulas do dia seguinte. as amigas se preocuparam e foram visitá-la e consolá-la. Disseram que ela deveria partir para outra, mas Marcele afirmou que não desistiria de Luiz tão facilmente.

          Inconscientemente criou um novo rótulo para si mesma. Um rótulo que permitia justificar o fim de todos os relacionamentos que teria nos anos seguintes. m rótulo de mulher eternamente apaixonada por alguém que ainda não percebeu sua existência. "Não tinha como dar certo. - repetia - Ele diz que eu não me entrego, mas no fundo, ainda não consegui esquecer o Luis."

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Fábulas da vida real

Conheço pessoas que prefeririam desfilar nuas a admitir sua ignorância. Conheço outras que continuam mentindo mesmo quando todos já se deram conta.









 E existem também aquelas que se assemelham muito à raposa. Sempre canalizando sua inteligência para propósitos indignos. A esperteza como ardil máximo do engodo.
Outra noite deitei olhando o falso céu de estrelinhas brilhantes que ainda existe no meu quarto e fiquei imaginando que personagem me identificaria.

Acabei escolhendo a Chapeuzinho Vermelho, que precisou fazer 4 perguntas antes de perceber que não era exatamente a vovozinha que estava na sua frente e sim o temido lobo. Ao menos descobri que o lobo, apesar de toda sua maldade geneticamente programada, é como um adolescente. 
A maldade é como um estirão de crescimento e faz a fantasia de cordeiro ficar curta demais para esconder o lobo que está ali dentro. Além disso, como todo adolescente, é tão crente da própria perfeição que é incapaz de perceber que não engana mais a ninguém.

Socorro! Caí num poço (Parte 2/6)

          Foi como se uma forte rajada de vento sopressesobre seu corpo. Primeiro um calafrio e depois aquela sensação vertiginosa de uma queda livre. Mas faltava a endorfina para que fosse prazeirosa. Marcele ainda não acreditava no que via. Tinha tanta certeza que veria seu nome naquela lista. Mas não... desta vezseus truques não foram suficientes e ela teria que enfrentar um longo ano de cursinho. Pior que isso foi o aviso dos pais na hora do almoço: teria que trabalhar se quisesse realmente estudar ou trabalhar para ajudar em casa se desistisse dos estudos.

          Trabalho... Esta palavra ressoou na cabeça de Marcele durante toda a tarde. Trabalhar parecia coisa de pobre. Gente rica, na sua imaginação, não trabalhava. Sabia que não teria opção, então resolveu pensar nas alternativas. Ligou para uma das suas colegas para pedir ajuda e ela sugeriu os classificados de um grande jornal. Olhou na carteira. Ainda tinha algum dinheiro. Aproveitou que estava no shopping e comprou um exemplar. Empacotadora, auxiliar de serviços gerais, operadora de telemarketing, baby sitter... Sua cabeça estava a ponto de explodir. Será que não havia nenhuma vaga decente disponível? Ascenssorista, vendedora...

          Vendedora? Seus olhos brilharam. Uma vez tinha ouvido falar que as vendedoras das lojas de grife tinham desconto nas roupas. Seu entusiasmo foi tão grande que iniciou uma procura dentro do próprio shopping, conseguindo marcar algumas entrevistas para o dia seguinte. Seria necessário um currículo com foto. Não tinha idéia do que pudesse ser, mas deveria ser fácil, daria um jeito à noite. Com a certeza da contratação, se dirigiu à praça de alimentação lotada como sempre. Pegou um chopp e foi procurar uma mesa livre. Estava quase desistindo quando um senhor a chamou. Estava sozinho numa mesa de quatro lugares.

          Marcele puxou conversa e descobriu que por trás do terno Armani e das chaves de um carro da Toyota deixadas sobre a mesa havia uma vida de muito trabalho e dedicação. Se calou e resolveu pela primeira vez na vida tentar salvar a si mesma. Levantou e foi direto para casa. Precisava organizar seu currículo.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Filosofia de caixa de motoboy

          Dificilmente saio de casa e não me incomodo ao menos uma vez com estes seres de índole um tanto quanto duvidosa. A maior parte deles parece sair de casa pela manhã com o intuito de atrapalhar o trânsito e provocar acidentes.
          Mas hoje um destes simpáticos motoboys que costuram toda a longa fila de carros e param na frente de todos, em cima da faixa de segurança para serem os primeiros a arrancar quando parecer seguro (nem sempe este momento corresponde àquele em que o sinal verde acende), colocou-se bem em frente ao meu carro.
          Na sua caixa (que era branca, como esta da ilustração) havia um adesivo com a seguinte frase filosófica: "Mulher e futebol: onde tem pelada, tem torcida." Fala sério... e eu tenho que ler uma coisa dessas as 8 horas da manhã???

O fantástico mundo de Marcele (parte 1/6)

          Eram 9 horas quando Marcele chegou na porta do colégio onde cursava o terceio ano do ensino médio. Ajeitou sua bolsa Vitor Hugo no ombro e prendeu seus longos cabelos castanhos para trás usando seu óculos de sol Fendi. No braço esquerdo carregava alguns livros e um caderno. Apesar do atraso, entrou lentamente, desfilando no corredor vazio como se estivesse numa passarela até sua sala de aula.

          A professora de matemática a fitou, acusadora, mas Marcele fingiu não perceber e se dirigiu ao lugar onde costumava sentar. A aula prosseguiu, mas o pensamento de Marcele estava longe. Precisava com urgência ir até aquele centro de compras popular gastar a parca mesada em artigos falsificados, copiados das grifes mais famosas.

          Desde criança não aceitava o fato de ter nascido numa família pobre. Imaginava-se filha de um empresário rico ou de uma atriz famosa, morando numa mansão cinematográfica, brincando com bonecas caríssimas e vestindo apenas grifes de alta costura. Achava injusto a vida não ser assim, mas havia encontrado a solução ideal: se não podia mudar sua realidade, podia ao menos evitar que os outros a descobrissem.

          Aproveitou o intervalo para conversar com as colegas sobre um trabalho de grupo que não poderia mais ser realizado na sua casa. Há meses que as meninas pediam para conhecer a única das casas que ainda não conheciam: a de Marcele. Vindas de famílias não muito abastadas, imaginavam, a julgar pela forma de agir da colega, que morasse numa linda casa com muito conforto e empregados. Melhor que continuassem a pensar asim.

          Durante a aula seguinte ficou sonhando com um vestido fantástico que vira numa vitrine. Com ele sim poderia entrar numa festa só de gente rica e arrasar. Todos os homens cairiam aos seua pés e ela teria enfim a vida com que sonhava. Estava por concluir que aquele vestido era o passaporte para a felicidade quando lembrou da etiqueta: R$1899,00. Definitivamente, tinha nascido para ser infeliz.

          Uma das suas colegas bateu no seu ombro e a chamou para a realidade: o exercício valia nota e deveria ser entregue em 15 minutos. Marcele preencheu rapidamente as respostas e aproveitou para sair mais cedo da escola. Precisava ter certeza que não existia um vestido semelhante a um preço mais acessível. A formatura estava próxima e enquanto suas amigas pensavam apenas no vestibular e no primeiro emprego ela preocupava-se realmente com seu futuro. E seu futuro resumia-se apenas a encontrar um marido que a salvasse.

sábado, 24 de abril de 2010

Tudo por um helicóptero

          Fim de tarde na BR-116. Uma multidão tenta retornar à casa enquanto outros tantos se dirigem às faculdades ou a locais de lazer. Passam-se 40 minutos e a distância percorrida é tão pequena que blasfemo por não ter tido a esplêndida idéia de ir trabalhar a pé.
          Ainda faltam cerca de 10km para o meu destino, mas a sinaleira fecha na minha frente pela terceira vez antes que eu possa me mexer. De onde estou não enxergo se houve um acidente ou se a culpa é de um ônibus que resolveu parar bem na frente do cruzamento.
          Dei sorte. Desta vez consegui passar, mas resolvi tentar outro caminho. Desisti do tradicional assim que vi o congestionamento na avenida. Olho o visor do relógio e faço os cálculos, chegando à conclusão que dará tempo de chegar para a aula na academia. Uma quadra, duas, três... pronto! Nessa eu viro.
          Imediatamente percebo que fiz besteira, mas não tenho mais como voltar atrás. Ainda se houvesse algum programa bom no rádio... O sinal vermelho parece me perseguir e sou obrigada a parar na esquina. olhei para o lado e descobri um boteco até que bem arrumadinho. Na parede interna diversos cartazes estavam colados com algum grau de organização. A maioria era ininteligível à distância, mas um deles chamou minha atenção. Com letras grandes, o seguinte pensamento: "O hoje é o ontem do amanhã". Fiquei imaginando o estado da bebedeira do sujeito quando criou esse magnífico e filosófico pensamento e consigo rir pela primeira vez nas últimas horas.
          Me pergunto pela quinquagésima vez "o que está acontecendo nessa cidade?". Estou habituada ao trânsito caótico do horário do rush, mas hoje parece ainda pior. A resposta demora algumas quadras. Então compreendo instintivamente a causa de tanta confusão. Um senhor passa entre os carros vendendo bandeiras de um certo time de futebol. Droga! Nem tinha me dado conta. Dia de jogo sempre triplica o movimento. Devia ter esperado mais tempo antes de sair. Refaço todos os caminhos alternativos na minha cabeça e opto por aquele que me parece o melhor.
          Será que no próximo dia em que houver jogo alguém pode me emprestar um helicóptero?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Diploma

          Após 2 anos e 3 meses retornei ao hospital onde realizei minha residência para buscar o meu diploma. Algo dispensável quando se tem em mãos o título de especialista obtido mediante prova especifica.
          Interessante foi entrar na mesma sala onde assinei meu contrato em 2006 e falar com o mesmo secretário, sendo imediatamente reconhecida e, como se isso não bastasse, chamada pelo nome. Solicitei meu diploma e em menos de um minuto ele retornou com o envelope sem perguntar nada alem do meu paradeiro atual. Lembrava inclusive meu sobrenome.
          Fica a dúvida
          Fui uma residente exemplar ou causei tantos problemas que dificilmente conseguirão me esquecer?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O tempo e o preconceito

Patrícia estava no seu consultório. Psicóloga formada há cinco anos, pós-graduação recém terminada, milhares de planos na cabeça. Não havia motivos para reclamar. As coisas estavam realmente indo bem. Aproveitou a falta de um paciente e desceu para tomar um café. Pediu o de sempre, capuccino com canela, mas desta vez demorou mais que o habitual para recebê-lo. Funcionário novo sempre se atrapalha, pensou, e abriu uma revista.


“Seu café, senhora.” – um rapazote estava colocando ao lado da xícara um cestinho com açúcar e adoçante. – “Desculpa a demora.” Patrícia sorriu. O sorriso não foi correspondido. A rápida análise identificou um novo garçom magrelo. Não teria mais do que vinte e poucos anos. A perfeita nervosia do primeiro dia: insegurança associada à vontade de agradar ao cliente e ao chefe.

Terminou o café, deixou o pagamento sobre a mesa e saiu. A visão de um casal atravessando a rua com um carrinho de bebê chamou sua atenção. Era o seu ex-namorado. Sorriu. Estava feliz por não ter sentido ciúmes. Tinha vencido o trauma de ter sido deixada praticamente no altar. Tudo bem, não foi assim tão perto da data, nem tinham sequer entregue os convites.

Os dias se passaram sem grandes novidades até que um dia Patrícia chegou ao café muito de mal humor. Um vazamento no banheiro tinha provocado uma infiltração, destruindo metade da parede de gesso. O hidráulico, embora chamado cinco vezes, ainda não tinha dado sinal de vida. Reclamou disso até para o garçom, que para a sua surpresa se ofereceu para consertar o estrago. “Trabalhei dois anos numa oficina. Sei fazer um pouco de tudo.”

Patrícia estranhou, mas resolveu confiar. Precisava arrumar o banheiro. Combinaram para depois do expediente. Às 18 horas, Daniel saiu do trabalho e se dirigiu ao consultório de Patrícia. Enquanto ele consertava o vazamento começou a puxar assunto. Assunto sério e não bobagens como Patrícia poderia imaginar. Oitavo filho no total, mas o primeiro com o quinto marido da mãe. Alguns irmãos drogados. Mas ele tinha um sonho: estudar administração. “Estou estudando à noite. Tenho que trabalhar para pagar o cursinho e ajudar em casa. Minha mãe tá desempregada.” – disse ele enxugando o rosto suado na camisa que acabara de tirar.

Os olhos de Patrícia não acreditaram no que estavam vendo. Daniel de magrelo não tinha nada. Um corpo de curvas tão bem definidas que poderia ter saído de uma academia ou de uma revista, m as jamais de uma cafeteria. Virou as costas e saiu. Melhor nem olhar para não sentir vontade. Havia perdido a conta do tempo em que estava solteira. Talvez, se o nível não fosse tão diferente ela pudesse ter continuado aquela conversa, mas, sabendo do seu desejo, preferiu se trancar no consultório e aguardar que ele terminasse o conserto.

Hora do pagamento. Seus olhos se cruzaram pela primeira vez. Castanhos claros, mas com algo tão penetrante que a perturbava. Entregou a nota, agradeceu o trabalho e se despediu. Ficou olhando enquanto ele se afastava e chamava o elevador.

No dia seguinte foi à cafeteria e fez questão de elogiar o trabalho. Percebeu o olhar de Daniel na sua direção por trás do balcão. Sem dúvida ele a encarava. Ela sabia que o desejava. Prendeu-se à realidade: eram de mundos diferentes demais. Suspirou e saiu, sonhando com aquele corpo tocando o seu. Agradeceu a viagem do dia seguinte para um congresso em Porto de Galinhas. Precisava se divertir, beijar, conhecer novas pessoas. Ao menos era isso que ela repetia a si mesma.

“O que vai querer hoje?” A voz já era conhecida, assim como as mãos que entregaram o cardápio. Mas, para sua tristeza, não eram de Daniel. O que teria acontecido naqueles quinze dias em que esteve no nordeste? Férias? Despedido? Dia de folga? A curiosidade era tão grande quanto a vontade de vê-lo. Sentia sua falta. Os dias se passaram e a vontade cresceu embora racionalmente soubesse que não deveria se permitir esse tipo de pensamento.

Após três meses da sua ausência, Patrícia começou a esquecê-lo. Seu orgulho jamais permitiu que ela pedisse seu paradeiro. Assim seria melhor para todos. Aceitou o pedido de namoro de um advogado um pouco mais velho do que ela, boa pinta e dono de um conhecido escritório. Após dois anos de um relacionamento morno decidiram se casar.

Um filho e muitas brigas e traições depois, Patrícia pediu o divórcio. Não tinha mais nada. Voltou a morar com os pais e gastava tudo o que tinha e o que não tinha para manter o filho numa escola de qualidade. Voltou a trabalhar em turno integral e aos poucos as coisas foram se normalizando.

Cinco e meia da tarde, quase fim do expediente. Último paciente marcado. Sentado na sala de espera, um homem desconhecido. Paciente novo. Parecia ter por volta de 30 anos e estava bem vestido. Provavelmente um executivo, encaminhado pela própria empresa devido a dificuldade de interação social como tantos outros.

O homem se levantou estendendo a mão para cumprimentar, mas não disse seu nome. Entraram na sala e sentaram. Durante a conversa que se seguiu, Patrícia compreendeu, e se decepcionou com ela mesma. Até aquele momento não havia se dado conta do quanto era preconceituosa. Ela, no fundo, nunca acreditara que uma pessoa saída de uma favela poderia subir e vencer por seus próprios méritos. Ele não se resignou com a vida que tinha e foi atrás dos seus objetivos. Lutou e venceu, alcançou seu sonho. Um sonho no qual ela poderia ter sido incluída. Um sonho do qual sempre quisera participar.

No momento em que compreendeu que Patrícia já o identificara, levantou e se despediu. Patrícia viu pela segunda vez o homem que ela tanto desejou sair por aquela porta, mas não podia fazer nada. Sentiu uma punhalada no peito. Algo deveria ser feito. Precisava criar coragem. O elevador chegou e Daniel entrou, mas antes que a porta se fechasse completamente ela apertou o botão. Daniel a fitou, curioso.

Patrícia respirou fundo e falou: “Daniel, será que podíamos sair um dia desses?”. Olhou para o chão, esperando receber como resposta um não. Nada seria mais justo. Daniel deu um passo à frente, levantou seu rosto, olhou-a nos olhos e a beijou.

Palavras Cruzadas

E atire a primeira pedra quem nunca ouviu nada igual...


Domingo de manhã, numa casa qualquer, de um bairro qualquer.

- Me passa o jornal?

- Que jornal?

- Esse que tu tá lendo!

- Ah! Mas esse eu to lendo, pega o de ontem.

- O de ontem eu já li. Então me passa só uma parte.

- Que parte? – Sempre sem tirar o olho da folha.

- A das palavras cruzadas.

Neste momento ouve-se um ruído de folhas sendo manuseadas e o guri passa a folha ao pai.

- Cadê a caneta? Ah... tá aqui! Não, essa tá sem tinta! Ana! (Gritando, porque a Ana tá no andar de cima tentando acessar a internet.)

- Quê?

- Me traz uma caneta.

- Prá que?

- Essa aqui tá sem tinta.

- Tá. Peraí que já desço.

Alguns minutos depois desce a guria com a caneta, uma bic azul com a tampa mordida. Imediatamente o pai faz um risco no meio da reportagem de uma banda famosa só para testar a tinta e começa a preencher as resposta. O silêncio toma conta da sala por 30 longos segundos.

- Nunca vi Kosovo com “C”. – Reclama o filho, que trinta segundos antes havia largado o jornal numa poltrona e agora espichava o pescoço na tentativa de ver o jogo e identificar possíveis erros.

- Ah! Que coisa! Não te perguntei nada. – Respondeu o pai já rabiscando um “K” por cima do “C”.

Mais 20 segundos de silêncio.

- Então, tu que és metido a sabichão, me diz a resposta dessa aqui. Anúncio de casamento lido na igreja.

- Quantas letras?

- Ué? Tu acabaste de te casar e não sabes?

- Ah, mas...

- E qual é o efeito do curare sobre o organismo?

- Imobilizar! – Grita a filha sem desgrudar do jogo de paciência no computador.

- Não... Letal.

- E essa aqui? Condescendente?

- Com descendente? É uma pessoa que tem filhos!

- Hahaha! É verdade! Mas sério, condescendente, 11 letras, termina com TE.

- Deve ter algo errado! Nenhuma palavra da língua portuguesa termina com uma consoante.

- Não! (gritando) É “T”-“E”.

- Ah, tá. Não sei o que é.

- Vou completar as outras prá ver se descubro. Cantora de Romaria.

- Elis! (Falam em coro os dois filhos, satisfeitíssimos por saberem a resposta)

- Elis?

- Elis Regina.

- Ué? Como é que vocês dois conhecem a Elis Regina? Ela é do meu tempo e já morreu.

O pai começa a cantar alguns versos desafinados da canção em questão até se deparar com uma que ela sabe a resposta e, por isso mesmo prefere dizê-la em voz alta:

- Madri!

- Como?

- Madri. A capital da Espanha.

- Sim, mas essa é fácil.

- Alvorada...

- Não pode ser Cachoeirinha?

- Alvorada, matina. E mal em inglês? Como é?

- Mal com “L” ou mau com “U”?

- Mal (acentuando o “L” para não deixar dúvidas.

- Evil.

- Como que escreve?

- E – V – I – L

- O nome... hmmm... sua esposa virou sal... não era Ló?

- Sim.

- Presta atenção: sua esposa virou sal, o nome do cara não é Ló?

- Era sim.

- Mas não cabe!

- Como não?

- Tem três letras!

- Então...

- Não era Ló, o nome do cara que a esposa virou sal?

- Sim! (já sem paciência) Lot! L – O – T.

- Ah! Termina com “T”. Agora sim! Complacente!

- Como?

- Condescendente, complacente.

Neste momento a filha, cansada de jogar paciência e frustrada por não conseguir acessar a internet decide descer e se juntar a eles. Já chega fazendo uma pergunta.

- Já que vocês estão falando da Bíblia: qual é a diferença entre Pilatos e Pilates?

O irmão responde, enquanto o pai continua preenchendo freneticamente as últimas respostas.

- Até onde eu sei os dois eram judeus.

- Eu perguntei a diferença e não a semelhança!

- Ah! Deixa de ser boba! Fica inventando coisa! Agora só falta dizer que foi Herodes quem construiu o Colosso de Rodes. (enrolando o “R”, para o som ficar mais parecido com o nome do Herodes)

- Colosso de que?

- Colosso de Rodes.

- Nunca ouvi falar.

- Colosso de Rodes. Uma das sete maravilhas do mundo, junto com os jardins de Alexandria.

O pai resolve entrar na conversa:

- Da babilônia! Os jardins suspensos eram na Babilônia. Em Alexandria tinha uma biblioteca que pegou fogo, li na veja da semana passada.

- A Babilônia é onde vivem os babuínos?

- Beduínos. Babuínos são macacos. Não sei por que eu gasto dinheiro com essa escola de vocês. Não ensinam mais nada?

- Ah, pai! Fala sério! Teve aquela votação, lembra? Eu votei no Cristo Redentor prá ser uma das maravilhas do mundo e não tinha essa opção de jardins da Babilônia.

- Terminei! Acertei tudo. Vamos almoçar.

Os três se levantaram e foram para a cozinha, onde o cheirinho da carne de panela já tomava conta do ar.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Aceito sugestõs de título

Saí da fábrica naquela sexta-feira chuvosa e fui direto ao Quincas. Sentei na mesma mesa de sempre e, como de costume, pedi uma batida enquanto esperava minha janta. Raramente deixei de aparecer por lá nos últimos 3 anos. Uma rotina solitária. Gostava de ir lá porque sabia que seria atendida com prioridade. Os garçons já me conheciam e já não me faziam perguntas. Aproveitava o tempo para refletir e estava tão absorta nos meus pensamentos que nem percebi a chegada daquela mulher.


Ela parou na minha frente e eu olhei: alta, loira, olhos escuros, vestida conforme a moda. Tão igual a tantas outras da região alemã onde vivo, mas tive certeza: não a conhecia. Sempre fui boa fisionomista, talvez esse seja meu único talento. Continuei observando enquanto ela, sem dizer ump palavra, puxava a cadeira em frente a minha para sentar. Puxei instintivamente o copo, como se quisesse me proteger.

- Ele me falou. – disse ela de repente sem nem mesmo se apresentar.

Eu a olhei, desconfiada. Não entendia o que aquela desconhecida fazia ali, na minha mesa, começando uma conversa por uma frase que parecia pertencer ao segundo capítulo de uma história. Talvez ela tivesse se enganado, me confundido. Bebi um grande gole do meu sex on the beach enquanto pensava a respeito. No final questionei a estranha:

- Sobre o que?

- Sobre o que aconteceu no início do verão.

Estremeci. Não poderia ser outra coisa. Cassio. O único homem com quem eu me envolvera desde minha mudança para Blumenau há 3 anos. Odiava a cidade e estava começando a odiar o trabalho quando ele surgiu como um foco de luz no fim do túnel. Eu me apaixonei rápido demais e quando descobri a verdade pensei em desistir de tudo e fugir sem rumo.

- Eu não sabia da tua existência. – respondi sem sorrir e sem olhar na sua direção. Mantive a cabeça baixa, mas a resposta veio rápido demais.

- Tudo bem, também tive meus casinhos quando estava longe.

Olhei para ela tentando compreender como ela podia ser tão fria. Ela nunca conseguiria me entender. Aquelas palavras tinham soado tão indiferentes, como se o relacionamento em questão não valesse nada. Nunca fui mulher de roubar homem de outra. Até o início deste ano nunca havia me envolvido com homens comprometidos. Uma questão de princípios.

-Isso não reduz a minha culpa.

- E a tua culpa não reduz a minha. Meu nome é Luciana. – e estendeu a mão na minha direção.

Estranho... Ela não está aqui para brigar. – Clarissa. O que queres de mim?

- Alguns minutos da tua atenção. Tenho uma proposta.

Hein?!? A conversa estava se tornando absurda. Proposta? Algo me soava mal, mas nesse momento eu precisava saber. Luciana pareceu compreender minha aflição.

-Não estamos mais juntos.

- Minha culpa?

- Não. Se alguém tem culpa nessa história sou eu.

- Como assim?

- Eu pedi que ele te procurasse. O resto tu sabes melhor que eu.

Ai, meu São João do Passa Quatro. Será que eu bebi demais? Que zonzeira é essa dentro da minha cabeça? Eu não estava entendendo nada. Fiquei sem palavras, olhando aquela pessoa na minha frente sem conseguir entender onde ela queria chegar. Minha sorte foi que ela recomeçou a conversa:

- Estou montando um restaurante. Bom, na verdade, meu noivo está montando um restaurante e está precisando de uma nutricionista.

- E por que eu? Quem me indicou?

- Paulo.

Paulo? De onde vinha essa agora? Quantos milhões de Paulos existem no mundo? E de todos eles, quantas centenas eu conheço? Só Paulo... definitivamente seria impossível descobrir.

- Paulo Roberto, Teu ex-namorado de Lages.

- Como?

A angústia apertou ainda mais dentro de mim. Nosso rompimento foi o motivo da mudança. Mas como ela poderia conhecê-lo? Que coisa estranha. Éramos noivos e ele nunca citou o nome dela.

- Paulo... – murmurei ainda incrédula e segui com meus pensamentos. Eu desapareci para tentar esquecê-lo e agora ele reaparece? O que ele pode querer de mim a essa altura? Ter arruinado a minha vida e meus planos não foi o suficiente? Nunca imaginei que assumir as empresas do pai teria um efeito tão prejudicial a alguém. Ele tinha mudado tanto... Fechei a cara. Não queria falar disso. Muito menos com uma estranha. Ela interrompeu minha linha de pensamento:

- Já te falei que a culpada sou eu. Eu mandei o Cássio te procurar. Ele se envolveu de verdade, se apaixonou. Ele foi honesto, terminou o namoro quando retornei, me contou tudo.

- Tu não me pareces chateada.

- Sem ressentimentos.

- Por que?

- No fundo eu desejava isso.

- Isso o que?

- Que ele me poupasse o trabalho de terminar.

- Alguma explicação plausível?

- Sim, mas ele não sabe.

- Eu também não. E, pelo visto, nunca saberei. Talvez nem me interesse.

- Mas deveria.

- Me dê uma razão.

- Paulo e eu vamos nos casar.

- Não estamos juntos há 3 anos. Esse tipo de coisa não é da minha conta. Além disso...

- Estamos juntos há 4 anos. Ou tu achas que a fábrica teria te contratado assim tão facilmente? Eu queria que tu te afastasses para que ele fosse só meu, então falei com meu tio.

- Quer me dar um tapa na cara também? Vai doer menos.

- Calma. Eu gostaria que vocês fossem.

- Vocês?

- Tu e Cássio.

- Affff.... Onde?

- Trabalhar no restaurante.

- Era só o que me faltava.

Depois de roubar a pessoa que eu amava e me jogar num emprego ridículo agora ela quer não apenas que eu mantenha seu ex-namorado longe como também quer que eu veja todos eles diariamente? Tive vontade de vomitar.

- Se não quiser ir tudo bem. Arrumarei outra pessoa. Mas gostaria que tu desses uma segunda chance pro Cássio.

- Prá que tudo isso? Eu não tive uma segunda chance com o Paulo.

- Eu concordei em dividi-lo contigo por 1 ano. Quando cansei da situação e fui embora ele veio atrás. Mas eu me fiz de louca, fiz ele voltar e terminar contigo. Foi o que ele fez. Terminou o namoro contigo e veio me buscar. Mas minha condição é que tu fosses embora. Não queria saber de concorrência ou recaídas.

- Então, aceitas?

- O que?

- O trabalho?

- Não. Não sou adepta de swing.

- É uma pena. Seria uma grande oportunidade.

Luciana virou e foi embora. Eu fiquei ali com cara de paisagem, olhando os tijolos da parede. Meu prato havia chegado. As batatas assadas e o frango pareciam saborosos, mas eu havia perdido a fome. Cássio estaria participando deste teatro ridículo? Melhor ligar.

- A Luciana, tua ex, me procurou. Podes me explicar o que está acontecendo?

- Da minha parte nada em especial. Terminei o namoro e ela nem reclamou. Achei estranho, mas sabe como ela é, tem suas manias, seus caprichos. Provavelmente quis sair por cima. Até me convidou prá administrar um restaurante, mas não aceitei. Pobre de quem aceitar o emprego, até hoje não conheci ninguém que gaste mais dinheiro com bobagem que ela.

- Interessante. Não aceitaste o emprego, mas disseste prá ela me pedir prá te dar uma segunda chance e me oferecer um trabalho no restaurante do meu ex?

- Como? Eu jamais pediria isso. E como assim do teu ex?

- Ué? A Luciana vai se casar com o Paulo, meu ex. Ela não te contou esse detalhe?

- Casar? Mas a Luciana nunca quis casar. Tentei diversas vezes, mas ela nunca aceitou.

- Sim. Ela nunca quis casar... contigo. Está há 4 anos com o Paulo.

Outra voz gritou do fundo da sala:

- Acho que a tua Luciana e a minha Luciana são a mesma pessoa.

Nem tive tempo de perceber o que tinha acontecido e aquele barulho irritante da linha telefônica começou a soar. Ele desligou o telefone na minha cara.

Mas naquela casa outra discussão havia começado, desta vez entre Cássio e Paulo.

- O que? Seu desgraçado...

- Eu não! Desgraçada é essa louca! Eu também fui enganado! E o pior é que iríamos nos casar! E eu achando que seria ótimo vir morar aqui, queria realizar o sonho dela de ter um restaurante chique. Sempre tive tanta pena da família dela, tão pobres, cheios de dívidas. Ajudei tantas vezes.

-Hahaha. Pobres? Dívidas? Só se for dívida com o cartão de crédito para comprar seus luxos. Brincos de ouro, lojas de grife e dois carros. Foi esse o destino do teu dinheiro.

- Tá brincando! Não é possível.

- Tu não sabias de nada? Nem de mim?

- Não. E provavelmente ela nem desconfiava que pudéssemos ser primos. Há quantos anos não nos víamos? Vinte?

- É, por aí.

- Precisamos fazer alguma coisa. Liga prá Clarissa e esclarece toda a situação. Depois vamos juntos até a casa da Luciana. Casa não, apartamento. O apartamento que eu comprei prá ela. Preciso terminar com essa farsa!

Uma hora depois batemos na casa dela. Era naquele prédio chique perto do centro. Eu nunca tinha entrado ali antes. É daqueles prédios imponentes onde até o porteiro parece mais importante do que a pessoa que chega para visitar um morador. Entramos no elevador e eu comecei a suar. Esta história de ser testemunha não parecia uma boa idéia. Mas eu já estava ali e deveria ficar até o fim.

Ela atendeu enrolada numa toalha como naqueles filmes americanos. Estava sorrindo, mas seus lábios logo murcharam, dando lugar a uma expressão amedrontada. Agora ela mordia os lábios. Paulo foi direto e cruel.

- Vim terminar o noivado. Acho que não é preciso explicar nada, não é mesmo?

- Mas Paulo! Não faz isso comigo! Eu te amo! Sempre te amei! Fiz tudo isso por amor! Tu também me amas!

- Desculpa, mas a mulher que eu pensei que amava não existe!

- Mas e todos os nossos planos? Nossa viagem para o Taiti?

- Quanto aos teus planos eu não posso dizer. Eu decidi montar restaurante junto com duas pessoas nas quais posso confiar.

- Ah, sim. Falando nisso, o que esses dois estão fazendo aqui contigo? Principalmente essazinha aí, que se não fosse por mim estaria morta de fome hoje.

- O diabo ensina a fazer, mas não ensina a esconder. O Cássio é meu primo e “essazinha aí” se chama Clarissa e é muito talentosa. Uma pena ter perdido tanto tempo naquela fábrica. E antes que eu me esqueça, este apartamento ainda está em meu nome, portanto junta as tuas coisas e vai embora.

- Mas vou viver de que? Não trabalho. Onde vou morar?

- Com teus pais. Já descobri que eles não moram debaixo da ponte como parecia.

- Mas quem vai pagar minhas coisas?

- Teu talento sempre foi enganar aos homens, não? Logo, logo encontrarás outro babaca que acredite nas tuas baboseiras.

Dois meses depois nós três abrimos as portas do bistrô Il veliero bianco, especializado em comida contemporânea. Foi um verdadeiro sucesso. Um dia eu estava conversando com alguns clientes quando vi um casal pedir uma mesa. Ele, um conhecido empresário bem sucedido da região. Ela, Luciana, firme no papel de namorada apaixonada e com um anel de brilhantes na mão direita. Quando ela me viu ficou visivelmente sem graça. Enquanto se dirigiram à mesa pude ver alguns flagrantes de olhares furtivos para outros homens presentes no local. Resolvi chamar os outros na cozinha. Paulo se limitou a balançar a cabeça e dizer:

- Olhem do que eu me livrei.

Cássio e eu nos abraçamos e rimos:

- Aquela ali jamais teria conserto.

domingo, 28 de março de 2010

Amor proibido

Carinha de bebê, com tua pele morena, teu jeito pacato e tímido de ser. Teu olhar me cativa, teu corpo me excita, tua voz é um prazer. Quem me dera eu pudesse beijar teus lábios molhados e teu corpo suado eu pudesse abraçar. Imagino em meus sonhos, que tiro tua roupa, te amando num morro, de frente pro mar.


Mais uma noite em claro, pensando no teu rosto angelical. Misturo lembranças antigas, de um tempo em que eu ainda conseguia amar e me entregar. Me impressiono com as divergências entre teu jeito sereno e teu olhar, que é como um veneno que me paralisa. Enquanto fico aqui, sonhando com algo proibido, deves estar dormindo ternamente, sonhando com algo mais verossímel.

Cansaço

Quase afundei nas águas profundas do mar revolto, mas cheguei a salvo no leito de palha que hoje me parece feito da maciez das nuvens. Nada pode ser mais compensador, depois da árdua jornada na qual me empenhei, como se dela minha vida dependesse e qualquer falha me levasse à desgraça. O sono invade, sugando a energia que ainda resta em meu corpo. Tento lutar com afinco contra as janelas que insistem em manter-se fechadas. A imaginação e o senso crítico parecem evadir-se, deixando-me vazia, nua e abandonada; largada sobre um leito frio num dia cinzento, sem conseguir mover-se ou sussurrar palavras.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Amor de verão


Finalmente resolvi tomar uma iniciativa, já que fazia horas que estava ali, olhando na mesma direção, sempre para a mesma pessoa.


A praia estava cheia, porém sua silhueta com curvas perfeitas se destacava da multidão de corpos comuns, magros ou gordos demais, sem coxas, sem bundas, sem ombros másculos. Seu rosto volta e meia esboçava um sorriso, ficando ainda mais belo. Sobe o corpo, somente uma sunga branca que fazia contraste com a tonalidade bronzeada da sua pele.

Durante pouco mais de uma hora tentei enlouquecidamente desviar a atenção. Música alta, livro de leitura, diário de bordo; nada disso adiantou. Sua presença provocava um efeito magnético sobre os meus olhos. Nunca tinha visto alguém tão perfeito e a única certeza que tive naquele momento é que, se não falasse com ele, me arrependeria pelo resto de minha vida.

Mas como se aproximar deste homem encantador? Precisava ser uma frase criativa, mas de impacto; que despertasse sua curiosidade e que, ao mesmo tempo, não fosse vulgar. Os minutos passaram e trouxeram consigo a inspiração. Me dei conta da máquina fotográfica nas minha mãos e inconscientemente meus dedos começaram a girar o objetiva, embora o foco fosse apenas cerebral.

De repente um click. Repeti algumas vezes a frase dentro da minha cabeça como se isso pudesse me encorajar até que ele começou a se comunicar com algumas pessoas que estavam mais afastadas. Senti que poderia ser minha última oportunidade e, antes que eu pudesse pesar prós e contras, as palavras saíram da minha boca quase involuntariamente. “Posso tirar uma foto tua?”.

Seguiu-se a dúvida: “Como?”.

“Uma foto tua”. – Respondi segura.

Um olhar perplexo e incrédulo precedeu o sim. Até agora não sei o que passou pela cabeça dele naquele momento, mas uma coisa eu garanto: foi uma ótima companhia por algumas horas.

Sedução x inocência

Sua mão desliza sobre meu abdome explorando cada dobra, cada centímetro, cada sinal. Me relaxo, fecho os olhos e recosto minha cabeça sobre teu ombro onde, entre um sussurro e outro, posso sentir tua respiração, lenta e ritmada. Desejo cada vez mais que teus dedos encontrem meu seio, mas eles seguem comportados. Lentamente passeiam pelo limite imposto pela calça jeans saint-tropez... Exploram cada milímetro sem ultrapassar aquela linha imaginária; sem abrir nem mesmo um botão; deixando-me cada vez mais sedenta do seu beijo. Mudo de posição. Quero olhar teus olhos enquanto sinto teu carinho. Deito no teu colo e teu rosto me incita a pensamentos sensuais. E assim me deleito em um prazer solitário, mesmo estando a dois. Minhas mãos percorrem teu peito, tão bem definido quanto o do David, na piazza della signoria, tão sedutor quanto o Robert Pattinson. Passo a mão entre os pelos estrategicamente localizados e na medida certa. Estou perdida em meus pensamentos. O sutiã segue fechado e teus dedos seguem torturando-me, sem jamais passar dos limites impostos pela roupa. Tento fugir, mas tu me abraças, me puxas prá trás e começas a beijar meu pescoço. E o fazes de uma maneira tão tranquila que me faz suspirar. Bastou um sussurro em meu ouvido para que eu sentisse a calcinha molhar. É tarde e devo retornar a casa. Sei que dificilmente esta cena se repetirá, mesmo assim me desvencilho dos teus braços e sigo meu caminho. Não sei quantas outras surpresas a vida me reserva, mas esta lembrança... Não a perderei tão facilmente.

Olhos azuis

Queria sobreviver ilesa aos teus olhos azuis que me seduzem e me encantam, mas perco o rumo toda vez que os vejo. Seu brilho é como um imã que me paralisa e me impede de desviar o olhar. Me afogo na profundeza azul que me suga e tento em vão recobrar o juízo. O alvoroço que cresce dentro de mim me aflige. Não sei até quando resistirei ao apelo silencioso deste azul celeste penetrante.

Olhos azuis que me fascinam e me desorientam. Peço de joelhos para que me alforriem. Que me libertem deste desejo carnal que me inferniza e deste lamúrio solitário inacabável. Imploro pelo retorno da tranquilidade aos meus pensamentos, permitindo não apenas um sono tranquilo, mas também sonhos mais reais.

sábado, 20 de março de 2010

Luciano Huck e a minha vida diária

Definitivamente, dinheiro demais faz mal. Melhor dizendo dinheiro demais nas mãos de alguns resulta infalivelmente em um aumento da poluição visual, auditiva e psíquica a que somos submetidos diariamente.


Quem tem classe compra um home theater e se delicia em sua própria casa com uma seleção de filmes a seu gosto, que seja qual for não precisa ser compartilhado pela vizinhança.

Quem não tem, gasta a mesma quantia num baita som automotivo prá valorizar o porta malas do escort 98 e roda a cidade mostrando a qualidade do seu brinquedo novo ao som de muito funk e pagode.

Daí eu estou na rua, voltando cansada do trabalho. Não aguento mais ficar parada na Carlos Gomes e quando parece abrir uma brecha no meio dos carros a sinaleira fecha. Nesse momento percebo o barulho que se aproxima. Meus olhos fitam o sinal vermelho e imploram para que o verde se acenda. Após alguns segundos, discretas ondas vibratórias percorrem o meu carro e nesse instante nem é preciso virar o rosto para compreender que o bonitinho que freou bruscamente está agora do meu lado. Impressionante como fazem de tudo para chamar a atenção para suas latas velhas amassadas e invariavelmente cheias de adesivos de gosto duvidoso.

Num atoreflexo mental lembro do Luciano Huck e seu programa do lata velha. Meu vizinho barulhento me parece um ótimo candidato para o programa. E batidão não dá trégua “... e vai descendo até o chão”.

A sinaleira abre e, antes que eu possa engrenar a primeira marcha, o carro ao meu lado sai cantando pneu. Meu deus.... será que ele acha isso bonito???

terça-feira, 9 de março de 2010

Farmville

Suzana estava inconformada naquela terça. Seus amigos a haviam posto contra a parede antes mesmo do início das aulas. Tudo aquilo só porque ela tinha faltado ao encontro no parque naquele fim de semana. Bom, não havia sido somente naquele... fazia já 2 meses que ela "esquecia" a programação extra-classe. Ela tentou explicar, mas foi interrompida centenas de vezes por seus amigos.

- É inadmissível!! - gritou Heitor.
- Não vejo nada demais! - retrucou Suzana.
- Ah! Fala serio! Nos trocar por isso???? - Carol não acreditava no que ouvia.

Vanessa aproveitou um minuto de silêncio de todos e tomou as rédeas da reunião. Pediu a Suzana que explicasse o que estava fazendo nos finais de semana.
- E todos vocês fiquem quietos! Deixem ela falar!

Suzana começou:
- Pessoal, eu gosto de ficar em casa. Tenho alguns livros para ler, em sua maioria romances. Aproveito os fins de semana para isso. Eu chego em casa, janto e depois entro na internet para fazer a colheita do farmville. Se eu comer rápido e não ficar de conversa fiada com meus pais sobra mais tempo para eu ler. Acabo lendo até tarde e porisso acordo sempre ao meio dia.
 Agora olha só como vocês me atrapalham! Sábado passado eu acordei e semeei morangos. Daí fui assistir a um clássico do telecine light, daqueles que já sei de cor, mas sempre acabo vendo de novo. Um minuto antes da cena que eu mais gosto, bem quando o casal ia se conhecer tocou o telefone! Era a Carol chamando para comer burrito! Ah! Maldade, né? Vocês sabem que eu adoro comida mexicana, mas bem que ela podia ter ligado antes! Eu teria semeado tomates, que levam 8 horas para ficar prontos, ao invés dos morangos que levam só 4. Óbvio que não fui. Eu não voltaria a tempo e perderia toda a safra!!
 Nesse domingo foi ainda pior. Vocês inventaram esse encontro na sexta! Puxa vida! Eu tinha plantado alcachofras e elas levam 4 dias para ficarem prontas! Como é que eu ia passar o domingo inteiro fora e jogar fora todo esse trabalho? Ainda mais sabendo que eu ganharia uma pontuação extra por ter atingido a meta de 850 alcachofras colhidas!!! Abrir mão disso e não passar de fase só para ficar no parque conversando e tomando chimarrão??? Quem faria uma coisa dessas??

Seus amigos a olhavam chocados. Somente Vanessa foi capaz de falar, tentando ao máximo não ser agressiva: - Su, amiga, estás viciada nesse jogo!!

- Viciada? Eu? Claro que não! Que absurdo! Posso controlar os horários e colher só nas minhas horas livres! Não preciso deixar de fazer nada, basta calcular o tempo necessário do plantio até a colheita!

- Ah, é? - retrucou Heitor. - Então porque não foste no churrasco da turma na minha casa no mês passado? Pimenta? Milho? Arroz? Ou que outro vegetal idiota precisava ser plantado e colhido???

- Que saco! Como vocês são chatos, hein? Volta e meia tem churrasco da turma, qual é o problema de faltar um deles? No próximo eu vou, basta não me avisar em cima da hora!

-VICIAAAADAAAAA - gritaram todos em conjunto

- Me deixem em paz! Já disse que não sou viciada.

- Tá, chega por hoje, vamos deixar a Su em paz! Hoje à tarde podemos nos reunir para fazer o trabalho de história na biblioteca e depois podemos comer um xis. O que acham?

- Boa idéia Carol!

- Nossa tinha até esquecido desse trabalho... to mesmo precisando de nota em história. Vamos sim. Suzana?

- Desculpa gente, vou fazer o trabalho em casa mesmo, preciso colher o trigo antes.

TRRRIIIMMMMMM

Salva pelo sinal da escola Suzana entrou na sala e sentou, longe dos amigos. Vanessa, Carol, Heitor e todos os outros fizeram um acordo rápido: ou mostramos a ela como está errada em fazer isso ou deixamos de ser amigos dela! Não houve dúvida: aproveitariam a tarde para bolar um plano de reabilitação para Suzana.

O Amor

Algumas vezes penso em ti como um cometa. Um cometa que atravessa minha vida de vez em quando: rápido demais para que eu o alcance, lindo demais para que eu o esqueça. Seu brilho me acalenta e me dá esperança. Tua passagem irradia minha alma e me permite sonhar. Quando vais embora, deixas um rastro de boas lembranças, mostrando o caminho pelo qual devo seguir. Jamais avisaste se voltarias, mas nunca duvidei do teu retorno. Perto ou longe serás sempre minha estrela guia. Te espero ansiosa... nao demores tanto desta vez.

domingo, 7 de março de 2010

Dói uzói - Agressão visual

Admito meu amor ao português, esta língua maravilhosa que tenho a honra de falar. Amor que se estende ainda para outras linguas latinas que também me oferecem a riqueza gramatical da minha lingua-mãe. Fiquei chateada com algumas das mudanças recentes, que na minha opinião exaltam a ignorância. Mas tudo bem. As linguas vivas se modificam com o tempo.

Já nem presto atenção aos erros cometidos na lingua falada. Erros tão corriqueiros que parecem já serem corretos. Mas quando leio um cartaz como esse aqui ao lado (foto realizada em Tramandaí neste verão) realmente entro em choque. São apenas 3 palavras e o indivíduo foi incapaz de acertar ao menos uma delas!!!

Será que ele nunca ouviu falar em dicionário? Não custa nada dar uma olhadinha no amansa burro quando não temos certeza da grafia de um vocábulo! Perde-se o quê? 1 minuto? Ah! Sim! É verdade! Talvez ele nem saiba usar um dicionário... todas as palavras numa tal de ordem alfabética... deve ser dificil saber que letra vem depois da outra. (Falando nisso, acho que devo reestudar as regras do hífem... não sei mais como usá-lo, meu português ainda é arcaico)

Se eu conseguisse caminhar sempre com a minha máquina obteria facilmente centenas de outras publicidades do gênero. Com preciosidades como "eletrezista", "melância", "concerto biçicleta" e outros tantos do gênero. Basta prestar atenção para ver cartazes como este.

Sem dúvida falta leitura.
Pelo menos na minha época se aprendia a ler e compreender o significado do que se lia na primeira série do primeiro grau, atual ensino fundamental. Hoje em dia formam-se no segundo grau semi-analfabetos, pessoas que conhecem as letras, mas não as juntam formando palavras. Leem como as crianças: A-ca-sa-ve-er-me-lha-da-e-e-es-qui-na.

Tudo bem... eu me irrito com pouco. Talvez seja verdade. Mas escrever certo não me parece tão difícil assim...