quarta-feira, 14 de abril de 2010

Palavras Cruzadas

E atire a primeira pedra quem nunca ouviu nada igual...


Domingo de manhã, numa casa qualquer, de um bairro qualquer.

- Me passa o jornal?

- Que jornal?

- Esse que tu tá lendo!

- Ah! Mas esse eu to lendo, pega o de ontem.

- O de ontem eu já li. Então me passa só uma parte.

- Que parte? – Sempre sem tirar o olho da folha.

- A das palavras cruzadas.

Neste momento ouve-se um ruído de folhas sendo manuseadas e o guri passa a folha ao pai.

- Cadê a caneta? Ah... tá aqui! Não, essa tá sem tinta! Ana! (Gritando, porque a Ana tá no andar de cima tentando acessar a internet.)

- Quê?

- Me traz uma caneta.

- Prá que?

- Essa aqui tá sem tinta.

- Tá. Peraí que já desço.

Alguns minutos depois desce a guria com a caneta, uma bic azul com a tampa mordida. Imediatamente o pai faz um risco no meio da reportagem de uma banda famosa só para testar a tinta e começa a preencher as resposta. O silêncio toma conta da sala por 30 longos segundos.

- Nunca vi Kosovo com “C”. – Reclama o filho, que trinta segundos antes havia largado o jornal numa poltrona e agora espichava o pescoço na tentativa de ver o jogo e identificar possíveis erros.

- Ah! Que coisa! Não te perguntei nada. – Respondeu o pai já rabiscando um “K” por cima do “C”.

Mais 20 segundos de silêncio.

- Então, tu que és metido a sabichão, me diz a resposta dessa aqui. Anúncio de casamento lido na igreja.

- Quantas letras?

- Ué? Tu acabaste de te casar e não sabes?

- Ah, mas...

- E qual é o efeito do curare sobre o organismo?

- Imobilizar! – Grita a filha sem desgrudar do jogo de paciência no computador.

- Não... Letal.

- E essa aqui? Condescendente?

- Com descendente? É uma pessoa que tem filhos!

- Hahaha! É verdade! Mas sério, condescendente, 11 letras, termina com TE.

- Deve ter algo errado! Nenhuma palavra da língua portuguesa termina com uma consoante.

- Não! (gritando) É “T”-“E”.

- Ah, tá. Não sei o que é.

- Vou completar as outras prá ver se descubro. Cantora de Romaria.

- Elis! (Falam em coro os dois filhos, satisfeitíssimos por saberem a resposta)

- Elis?

- Elis Regina.

- Ué? Como é que vocês dois conhecem a Elis Regina? Ela é do meu tempo e já morreu.

O pai começa a cantar alguns versos desafinados da canção em questão até se deparar com uma que ela sabe a resposta e, por isso mesmo prefere dizê-la em voz alta:

- Madri!

- Como?

- Madri. A capital da Espanha.

- Sim, mas essa é fácil.

- Alvorada...

- Não pode ser Cachoeirinha?

- Alvorada, matina. E mal em inglês? Como é?

- Mal com “L” ou mau com “U”?

- Mal (acentuando o “L” para não deixar dúvidas.

- Evil.

- Como que escreve?

- E – V – I – L

- O nome... hmmm... sua esposa virou sal... não era Ló?

- Sim.

- Presta atenção: sua esposa virou sal, o nome do cara não é Ló?

- Era sim.

- Mas não cabe!

- Como não?

- Tem três letras!

- Então...

- Não era Ló, o nome do cara que a esposa virou sal?

- Sim! (já sem paciência) Lot! L – O – T.

- Ah! Termina com “T”. Agora sim! Complacente!

- Como?

- Condescendente, complacente.

Neste momento a filha, cansada de jogar paciência e frustrada por não conseguir acessar a internet decide descer e se juntar a eles. Já chega fazendo uma pergunta.

- Já que vocês estão falando da Bíblia: qual é a diferença entre Pilatos e Pilates?

O irmão responde, enquanto o pai continua preenchendo freneticamente as últimas respostas.

- Até onde eu sei os dois eram judeus.

- Eu perguntei a diferença e não a semelhança!

- Ah! Deixa de ser boba! Fica inventando coisa! Agora só falta dizer que foi Herodes quem construiu o Colosso de Rodes. (enrolando o “R”, para o som ficar mais parecido com o nome do Herodes)

- Colosso de que?

- Colosso de Rodes.

- Nunca ouvi falar.

- Colosso de Rodes. Uma das sete maravilhas do mundo, junto com os jardins de Alexandria.

O pai resolve entrar na conversa:

- Da babilônia! Os jardins suspensos eram na Babilônia. Em Alexandria tinha uma biblioteca que pegou fogo, li na veja da semana passada.

- A Babilônia é onde vivem os babuínos?

- Beduínos. Babuínos são macacos. Não sei por que eu gasto dinheiro com essa escola de vocês. Não ensinam mais nada?

- Ah, pai! Fala sério! Teve aquela votação, lembra? Eu votei no Cristo Redentor prá ser uma das maravilhas do mundo e não tinha essa opção de jardins da Babilônia.

- Terminei! Acertei tudo. Vamos almoçar.

Os três se levantaram e foram para a cozinha, onde o cheirinho da carne de panela já tomava conta do ar.

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