Caros colegas,
Sou
médica há 11 anos, atualmente trabalho como reumatologista em um centro de
saúde (SUS) e também atendo pacientes com convênio de saúde no consultório. Tenho
orgulho da minha profissão, apesar da nítida desvalorização que vejo refletida
nos baixos valores pagos pelos governos e convênios de saúde, as péssimas
condições de trabalho oferecidas pelo sistema público e o consequente descrédito
da população na nossa capacidade resolutiva.
Tenho
acompanhado as notícias na imprensa e os movimentos nas redes sociais. Ontem à noite, foi com profunda tristeza que ouvi a
presidente Dilma Rousseff reiterar em seu discurso em cadeia nacional que para
resolver os problemas da saúde traria 6000 médicos do exterior. Todos nós
sabemos que esta é uma medida meramente política que não acarretará em nenhuma
mudança benéfica para o SUS.
Nas
redes sociais, muitos colegas clamam por greve e por manifestações na rua para
buscar melhores condições de trabalho, salários dignos e o cumprimento dos
acordos de pagamento para os colegas dispostos a atuarem em cidades menores.
Embora eu concorde plenamente com estas reivindicações, temo que neste momento
não o povo não se posicionará ao nosso lado se optarmos pela greve. O público
atendido no SUS enxerga a realidade que chega a eles. Não é incomum ouvir
frases assim nas UBS: “não tem consulta porque não tem médico”, “não adianta
nem tentar porque o médico já foi embora”. Somos vistos como vilões porque “não
trabalhamos”, “não cumprimos a carga horária”, “nem sequer olhamos a cara do
paciente”. O paciente não percebe que somos obrigados a atender um número tão
grande de pessoas por hora e que por isso somos obrigados ou a diminuir a
qualidade do atendimento ou a permanecer horas extras no trabalho sem sermos
remunerados por elas. O paciente não sabe que lutamos contra a falta de
medicamentos na rede básica ou que o seu diagnóstico ou tratamento realmente
depende daquele exame que o SUS não disponibiliza ou que vai levar mais de um
ano para ser realizado. O povo não conhece outra realidade que não seja a de
hospitais e postos de saúde sucateados, sem macas e equipamentos e com salas de
emergência superlotadas. Aliás, muitos devem até pensar que as emergências
estão superlotadas porque não há médicos para atender a todos e resolver os
problemas e por isso as pessoas vão se acumulando nos corredores.
Tenho
absoluta certeza que não somos mercenários como alguns induzem o povo a
acreditar. Até porque, se quiséssemos sê-lo a primeira medida seria mudar de
profissão. Agora não é hora de greve, é
hora de mostrar quem somos e nosso valor. Acredito que está na hora de virar o
jogo e mostrar à população o que ela realmente merece: um atendimento médico de
qualidade. Atender bem nos postos de saúde, mesmo que isto signifique terminar
o horário predeterminado sem ter atendido todos os pacientes marcados. Aqueles
que não forem atendidos podem até se irritar num primeiro momento, mas logo
estarão clamando junto às autoridades o direito de serem atendidos com a mesma
atenção e respeito. Devemos mostrar que as nossas reclamações e as deles (povo)
são exatamente as mesmas: todos querem um sistema público de saúde de
qualidade. É nossa obrigação ensinar os números das ouvidorias das prefeituras
e secretarias da saúde para que as reclamações sejam feitas para os reais responsáveis
pelo mau funcionamento do SUS.
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