sábado, 22 de junho de 2013

Carta aos colegas médicos

Caros colegas,
                Sou médica há 11 anos, atualmente trabalho como reumatologista em um centro de saúde (SUS) e também atendo pacientes com convênio de saúde no consultório. Tenho orgulho da minha profissão, apesar da nítida desvalorização que vejo refletida nos baixos valores pagos pelos governos e convênios de saúde, as péssimas condições de trabalho oferecidas pelo sistema público e o consequente descrédito da população na nossa capacidade resolutiva.
                Tenho acompanhado as notícias na imprensa e os movimentos nas redes sociais. Ontem à noite, foi com profunda tristeza que ouvi a presidente Dilma Rousseff reiterar em seu discurso em cadeia nacional que para resolver os problemas da saúde traria 6000 médicos do exterior. Todos nós sabemos que esta é uma medida meramente política que não acarretará em nenhuma mudança benéfica para o SUS.
                Nas redes sociais, muitos colegas clamam por greve e por manifestações na rua para buscar melhores condições de trabalho, salários dignos e o cumprimento dos acordos de pagamento para os colegas dispostos a atuarem em cidades menores. Embora eu concorde plenamente com estas reivindicações, temo que neste momento não o povo não se posicionará ao nosso lado se optarmos pela greve. O público atendido no SUS enxerga a realidade que chega a eles. Não é incomum ouvir frases assim nas UBS: “não tem consulta porque não tem médico”, “não adianta nem tentar porque o médico já foi embora”. Somos vistos como vilões porque “não trabalhamos”, “não cumprimos a carga horária”, “nem sequer olhamos a cara do paciente”. O paciente não percebe que somos obrigados a atender um número tão grande de pessoas por hora e que por isso somos obrigados ou a diminuir a qualidade do atendimento ou a permanecer horas extras no trabalho sem sermos remunerados por elas. O paciente não sabe que lutamos contra a falta de medicamentos na rede básica ou que o seu diagnóstico ou tratamento realmente depende daquele exame que o SUS não disponibiliza ou que vai levar mais de um ano para ser realizado. O povo não conhece outra realidade que não seja a de hospitais e postos de saúde sucateados, sem macas e equipamentos e com salas de emergência superlotadas. Aliás, muitos devem até pensar que as emergências estão superlotadas porque não há médicos para atender a todos e resolver os problemas e por isso as pessoas vão se acumulando nos corredores.

                Tenho absoluta certeza que não somos mercenários como alguns induzem o povo a acreditar. Até porque, se quiséssemos sê-lo a primeira medida seria mudar de profissão.  Agora não é hora de greve, é hora de mostrar quem somos e nosso valor. Acredito que está na hora de virar o jogo e mostrar à população o que ela realmente merece: um atendimento médico de qualidade. Atender bem nos postos de saúde, mesmo que isto signifique terminar o horário predeterminado sem ter atendido todos os pacientes marcados. Aqueles que não forem atendidos podem até se irritar num primeiro momento, mas logo estarão clamando junto às autoridades o direito de serem atendidos com a mesma atenção e respeito. Devemos mostrar que as nossas reclamações e as deles (povo) são exatamente as mesmas: todos querem um sistema público de saúde de qualidade. É nossa obrigação ensinar os números das ouvidorias das prefeituras e secretarias da saúde para que as reclamações sejam feitas para os reais responsáveis pelo mau funcionamento do SUS. 

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