sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Enxurrada

Encolhi-me num canto escuro da sala entre a mesa e a lareira. Uma tempestade se aproximava, sombria e assustadora. O vento uivava nas frestas das janelas. Um relâmpago cortou o céu, brilhante e mortal, atingindo uma velha árvore no jardim. A chuva sequer havia iniciado e já havia ao menos uma vítima.
Se o rio subisse novamente eu não teria para onde fugir. Minha casa escapara por pouco da última enchente e hoje, até mesmo o segundo andar me dava medo.
Um longo filme, composto por gritos, acenos de desespero e construções tragadas pela enxurrada parecia estar sendo projetado nas paredes ao meu redor. Agarrei-me o mais forte que pude ao antigo terço, herança de família que ganhei da minha avó ao completar 6 anos de idade.
Independente da minha vontade permaneci imóvel. O desespero contraía meus músculos e triturava meus ossos. Senti a água gelada escorrendo pelas frestas e tive certeza que jamais me salvaria.
Um baque surdo precedeu o vento, que invadiu subitamente a casa trazendo consigo um vulto desconhecido.
Nem olhei seu rosto enquanto ele me carregava para fora em seus braços como se eu fosse um bebê. Os grossos pingos de chuva atingiram minha cabeça e como se fossem bombas explodiam em mil gotículas que escorriam pelo rosto e pelo corpo.
E de repente mais nada.
Num piscar de olhos havia um teto sobre a minha cabeça e eu estava rodeada de desconhecidos.
Olhei para trás e vi apenas escuridão.
Duas escuridões: uma calma e uma outra que corria rapidamente arrastando consigo tudo que conseguisse.
Quando o sol apareceu não havia mais nada que eu conhecesse.
Esperei que viessem me buscar, ninguém apareceu.
Segui ali, no chão, com a cabeça entre as pernas e as mãos ao redor dos joelhos.
Chorei muito até compreender que dependia apenas de mim reconstruir tudo.
Ergui a cabeça e olhei novamente a destruição ainda sem saber por onde começar, mas não tinha opção, eu tinha que seguir em frente.

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