Foi numa tarde nublada que ela chegou na nossa cidade. Trazia consigo uma mala pequena e o peso das lembranças de uma vida curta mas amargurada. Lembro bem da cena porque costumava brincar ali na praça com meus amigos. A cidade não tinha rodoviária e a praça da igreja era uma das muitas paradas daquele ônibus que percorria toda a região.
Já estava acostumado a assistir aquela cena. Moradores que desciam e outros que chegavam apressados, carregando malas e abraçando familiares antes de partir. Ela foi a última a descer. Olhou para os lados diversas vezes, encontrou um banco e sentou. Não sabia para onde ir. Talvez tivesse descido no lugar errado. Fui ajudar. Me aproximei titubeante, com passos lentos e olhar temeroso. Queria perguntar o motivo que a levara até ali, seu nome, o que fazia, mas me limitei a ler um papel amarrotado que ela me estendeu. Havia um nome e um endereço.
A observei enquanto explicava o caminho. Percebi seus olhos cheios de lágrimas, os detalhes do seu rosto e suas roupas surradas. Calculei que teria ao menos 10 anos a mais do que eu. Terminei a explicação e a segui com o olhar enquanto se afastava. Voltei para casa e começei a arrumar minhas coisas. Era meu último dia de férias e, no dia seguinte, eu voltaria para o colégio interno enquanto meus pais fariam a mudança para a capital. Aquela foi a primeira noite em que aquela mulher misteriosa povoou meus sonhos.
Hoje, dois dias depois da minha formatura em direito, resolvi retornar à minha cidade natal com o único propósito de procurá-la. Não sabia sequer seu nome, mas tinha certeza que a reconheceria. Desembarquei na mesma praça às 14 horas, mesmo horário em que a havia visto chegar quando criança. Tudo me pareceu exatamente igual àqueles dias. Perdi alguns minutos olhando cenas cotidianas antes de me dirigir ao endereço que anos antes eu tinha lido naquela folha de papel e que ainda permanecia vívido na minha memória.
Encontrei uma casa de madeira. As paredes de um verde apagado e as duas janelas já sem cor faziam contraste com o colorido das casas da vizinhança e me deram a impressão de abandono. Mesmo assim resolvi bater. Sem resposta. Bati de porta em porta buscando informações, mas todos repetiram a mesma história: "Aquela casa está abandonada há anos". Descrevi a moça, mas ninguém se recordava dela.
Voltei para a praça e me sentei no mesmo banco onde tudo começou e ali permaneci um bom tempo. No fim da tarde uma menina loira de tranças se aproximou oferecendo ajuda. Olhei nos seus olhos e reconheci todos aqueles sentimentos que haviam tomado conta dos meus dias nos últimos anos. Agradeci e expliquei que estava ali de passagem, apenas para rever a cidade onde nasci. Conversamos até o ônibus chegar. Sentei no meu lugar e olhei pela janela a tempo de ver a menina vendo o ônibus se afastar. Suspirei: "Minha história terminou, mas a dela está apenas começando".
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Há 15 anos
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